Desde a minha infância eu venho carregado pra minha vida um certo trauma, sempre guardei em segredo sobre o que eu vi sozinho na rua, e hoje sinto-me preparado para compartilhar com alguém, eu já não aguento mais viver escondendo esse segredo.
O que eu vi aconteceu cerca de 25 anos atrás, era noite de Halloween, e como toda criança da nossa rua eu sai fantasiado de fantasminha, passando de casa em casa com meus amigos "Doçuras ou Travessuras".
Os meus amigos de infância e até mesmo as outras centenas de crianças do bairro eram mais agitadas do que eu, e pra mim já era suficiente os doces que consegui, decidi então ir pra casa e comer todas as guloseimas.
O caminho de volta pra casa estava um pouco isolado demais, já era um pouco tarde também, e cada calçada das casas que eu passava acabava me assustando com os monstros e fantasmas robóticos pendurados em árvores e cercas.
Por um momento, um determinado momento tive a sensação de escutar gritos e pedidos de socorros, desconsiderei e segui meu caminho, agora com os passos um pouco mais rápidos, a rua estava um pouco escura e não havia ninguém a não ser eu e a sombria decoração de Halloween, um estranho vento ruía a minha longa ida pra casa.
Faltava três quadras pra chegar em fim em casa, quando novamente o grito de socorro e gemer de dor voltava, só que agora mais alto, era como se eu tivesse mais próximo daquilo, senti muito medo ao ponto de arrepiar, o lugar que agora eu haveria de passar tinha uma rua , um beco sem saída, era quase que um depósito de latas de lixo.
E justamente ali eu vi, a principio achei fosse mais alguém fantasiado, mas naquele beco presenciei a espreita de um muro uma gárgula meio monstro, meio mulher, ela devorava um garoto de 16 anos que morava perto de casa, ele ainda estava vivo quando cheguei, mas sem reação apenas fiquei escondido até que aquele ser enfim devorasse aos pedaços o menino.
Quando a gárgula terminou sua refeição lambeu o chão até a última gota de sangue que restava, e ficou fazendo isso por um bom tempo, mas eu precisava sair dali o quanto antes, afinal eu ainda era despercebido, mas quando me levantei pra sair deixei uma lata de lixo cair.
Fui então encontrado, mas não conseguia correr, a gárgula se aproximou de mim, pude sentir seu hálito quente e fétido em meu rosto, mas ao invés de também me atacar apenas me fez um pedido, de que eu guardasse em segredo tudo que vi naquela noite ou ela voltaria de onde fosse, quando fosse para se vingar de mim.
Jurei guardar tal segredo, mas os anos seguintes foram de total tortura, eu deixei de gostar do Halloween, e por mais que minha mãe incentivasse eu aproveitar a tradição ainda na infância, eu não conseguia, passei a ter medo da data e das fantasias, passei a ter pesadelos todas as noites com aquela gárgula, aliás eu jurava ter visto ela rondando a minha casa , conseguia escutar a voz dela de perto.
Aos 27 anos eu já não aguentava mais viver aquele inferno, eu jamais esqueci o que testemunhei, cansei de guardar segredo e de tanto pesadelo, e que se fosse pra gárgula voltar e me matar então que fizesse logo, pois eu não aguentava mais viver daquele jeito, guardando aquele segredo.
Contei pra minha mãe, e mesmo que ela não acreditasse e claro que ninguém jamais acreditaria naquela história, ainda mais eu sendo criança na época, eu contei, disse tudo com detalhes, e confesso que me senti mais aliviado, minha mãe apenas sorria, claro deveria não acreditar em mim e depois disso então, seria capaz de achar que eu estava usando drogas pesadas.
Mas pra minha surpresa ela acreditou, e parecia bastante feliz com o que ouvia, e me disse:
- Claro que acredito em você filho querido! Afinal de contas, quem matou aquele garoto fui eu, eu sou a gárgula, eu pedi segredo, a nossa família sofre uma maldição a gerações, ninguém sabe como começou, mas sempre haverá uma gárgula entre nós, e se você descobrir e não guardar segredo a maldição transfere pra você.
Minha mãe então começou a sofrer mutação, escondi-me atrás da parede da sala enquanto uma enorme sombra crescia pelos cômodos da casa, e depois de tantos anos a gárgula ressurgia pra mim me dizendo;
- Filho, a missão agora é sua, a maldição será lançada pra outro membro de nossa família se seja quem for não souber guardar o seu segredo, sua fome agora será mil vezes maior no dia 31 de Outubro de cada ano, e sua fome não será mais por doces de Halloween, mas sim por carne humana, e suas travessuras não serão mais de criança e sim por atacar, boa sorte, filho.
E assim tomei a forma da gárgula monstruosa que precisa atacar gente pra matar a minha fome.