"O homem que não acredita em Deus é capaz de tudo."
Minha família sempre foi muito religiosa, desde pequena frequentei a igreja junto aos meus pais e, assim que completei 10 anos passei a ter algumas obrigações, fui incluída em trabalhos voluntários e no coral musical de uma catedral próxima de casa. Duas vezes na semana minha mãe me levava até a igreja para realizar os afazeres beneficentes e, ensaiar o cântico junto ao restante das outras crianças. Sendo sincera, eu não gostava muito de fazer os trabalhos embora fora bastante leves, o que eu gostava mesmo era de cantar, mas minha mãe sempre me disse que Deus, recompensa às pessoas que ajudam às próximas. Então mesmo não gostando muito, fazia tudo sem reclamar, cantar no final do dia era como uma recompensa para mim.
Dois meses se passaram desde então. Para uma garotinha de 10 anos tudo estava indo bem, eu era feliz e tinha bastante amigos no meio social em que vivia, porém, quando um novo padre chegou a igreja, descobri da pior forma possível que a desgraça caminha lado a lado com a felicidade. Reverendo Philippe, era como todo mundo o chamava. Quando o vi a primeira vez não pude deixar de notar sua estranha aparência, ele era alto e magro, um tanto desengonçado, usava óculos e estava quase completamente careca se não fosse por um restante de cabelo nas laterais da cabeça. Durante os dias de ensaio do coral, ele sempre estava presente, nos observava do início ao fim, quando era questionado, ele sempre respondia que gostava de ouvir melodias, mas, na verdade, sua intenção era totalmente contrária.
Certo dia, no final de um dos ensaios, ele veio até mim e algumas outras crianças do coral, nos parabenizou e falou que ao seu ver éramos os melhores e mais afinados quando cantávamos, introduziu sua mão em uma pequena sacola de pano que carregava e, retirou alguns colares com cruzes douradas, com os quais ele nos presenteou - prosseguiu falando que com aqueles colares todos estávamos protegidos e, que aquele objeto era um amuleto de boa sorte, nunca deveríamos retirar. Essas foram suas palavras. Agora você deve estar pensando que aquele fora um presente de bom grado e que ele era um homem de bom coração, mas, na verdade, os colares de cruz dourada que ele distribuíra para algumas crianças aquele dia, tinha outro propósito, um propósito tão sombrio que é raro que alguém possa esperar isso de um padre. "Para que servia?" você deve estar se perguntando agora - e é com ódio e desprezo que respondo a essa questão. Servia para marcar suas vítimas, às quais ele abusaria sexualmente mais tarde.
Sim, fui umas de suas vítimas, mas não entrarei em maiores detalhes para não relembrar todo esse forte trauma psicológico. O que posso dizer é que os abusos continuaram por longos períodos, até meus 12 anos fui abusada junto de algumas outras crianças. Eu simplesmente não conseguia contar para meus pais e nem para ninguém, toda às vezes que tentei eu simplesmente travava e não conseguia falar, meu comportamento se tornou diferente de que um dia já foi, sempre que era questionada, falava que estava tudo bem e que logo iria passar. Bom, posso dizer que não passou até hoje.
Anos se passaram desde o ocorrido, agora estou com 21 anos, a idade do sucesso como todos dizem por aí, mas esse não é meu caso. Mesmo depois de todo esse tempo, o trauma ainda é forte e, minha vida só tende a desmoronar, já frequentei tratamentos, visitas a psicólogos, mas nada adiantou. Me encontrei no fundo do poço quando comecei a usar drogas, era uma forma temporária de esquecer os problemas.
Em meio a idas e vindas de pensamentos que me conduziam a beira da loucura todos os dias, eu não deixei de pensar como arquitetar uma forma de vingança. "A melhor vingança é o esquecimento", era o que me dizia minha amiga de infância Verônica, a qual também fora abusada, mas ao contrário de mim ela permaneceu na igreja, manteve sua fé e boca fechada. Para mim tudo isso é pura bobagem, já tentei diversas vezes esquecer essa merda, mas é impossível, o resultado continuava sendo falho.
Embora Verônica não apoiasse meus pensamentos em meio a ódio e vingança. Ela era a única que me informava sobre o paradeiro do reverendo Philippe, pelo que sabia, ele nunca ficava mais de dois anos em uma cidade, sempre está em constante mudança após esse período, provavelmente abusando de outras pobres crianças que apareceram em seu caminho, e só retorna às antigas cidades depois de anos, talvez isso seja uma forma de ser esquecido por suas vítimas. Mas não eu, jamais esquecerei o rosto do homem que arruinou minha vida. Em nossa última conversa, Verônica me disse que ele iria regressar em algumas semanas, então comecei a preparar-me para quando ele voltasse a cidade.
Algumas semanas se passaram, e como previsto o reverendo estava de volta, realizando cerimônias na mesma catedral de anos atrás. Verônica estava apreensiva, receava que meus atos não pudera ser controlados, e não iriam ser, pela primeira vez depois de anos, minha vida parecia fazer algum sentido, matar o padre Philippe iria se tornar minha glória final.
Fui a catedral para assistir uma de suas cerimônias, e quando o vi, quase não o reconheci, sua aparência estava desgastada, seu cabelo havia caído completamente. Mas eu sabia que aquele era o mesmo homem, e em meio a orações e fé das pessoas que me rodeavam, meus pensamentos eram cruéis e malignos, sorria maliciosamente enquanto o encarava da última bancada de assentos. Voltei para casa em meio a noite, pensativa e determinada a me vingar.
A noite foi longa e, eu não dormir por um segundo, fiquei acordada me aprofundando em planos de como o matar sem que ninguém suspeitasse de nada. Já estava em porte da arma que usaria, porém, não sabia como me aproximar o suficiente para puxar o gatilho, eu nunca havia atirado antes em minha vida, por isso tinha que estar muito próxima a ele, para que não corresse o risco de errar e, o miserável escapar com vida. As horas se passavam vagarosamente, e ainda não havia pensado em nada que me fizesse aproximar de minha vítima sem levantar suspeitas.
Foi então que lembrei da minha amiga Verônica, ela havia comentado que seu novo trabalho voluntário nos próximos dias, seria cuidar de toda roupa suja que eram usadas pelas freiras e madres que vieram em caravana para passar alguns dias na cidade, todas estavam hospedadas em um hotel que ficava a cerca de dois quarteirões da catedral, e para minha sorte o reverendo Philippe estava hospedado no mesmo local.
O plano era perfeito, só precisava entrar no hotel, vestida com as mesmas vestes que as freiras ou madres usavam, não foi difícil de conseguir uma vestimenta, liguei para a Verônica e, sabia que se eu a contasse sobre meus planos ela não me ajudaria, então o que eu disse, foi que estava disposta a ajuda-lá em seu trabalho beneficente. Ajudei-a durante o dia e, no momento que fiquei a sós com às roupas sujas, acobertei uma peça em minha bolsa, simples assim. As vestimentas eram tantas que ninguém sentiria falta.