Capítulo Unico

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E De Repente...

O barulho do salto colidindo contra o chão de madeira passaria despercebido se a dona daqueles saltos não fosse ela. O escritório estava em completo silencio, todos admiravam a mulher de madeixas escuras que desfilava com elegância pelo corredor. O terno preto lhe caía bem, qualquer roupa caía bem no corpo sinuoso da mulher de negócios, que de cabeça erguida atravessava o corredor principal daquele escritório, atraindo a atenção de homens e mulheres para si, todos a admirando e alguns até mesmo desejando, por mais que todos soubessem que o coração da moça de madeixas escuras já tinha dono.

Sua sala ficava no final daquele corredor, que por sinal se localizava no último andar do prédio imponente. A porta de madeira escura com a plaqueta de metal já anunciava quem era aquela mulher. Aquela era a Diretora Executiva daquela empresa, e com toda certeza a mulher de pele clara certamente se orgulhava de ocupar aquela posição, afinal de contas sonhará com aquilo quando ainda estava no ensino médio.

Dentro de sua sala particular uma enorme janela de vidro tomava conta de toda uma parede, o que lhe garantia uma das mais belas vista da cidade, que se estendia como uma selva de pedra até o paralelo do horizonte. Sorriu aliviada ao ver que sua mesa estava vazia, ou seja, a reunião que acabara de sair era o seu ultimo afazer no dia, e graças a isso não se atrasaria para o seu compromisso.

Sem pressa guardou seu notebook, que antes estava sobre a larga, e moderna, mesa de vidro, em uma portela de madeira escura em uma das estantes preenchidas de livros que ocupava espaço naquele ambiente sóbrio. Pela primeira vez no mês sairia mais cedo da empresa e ficava feliz de que o universo tinha conspirado a seu favor, já que aquele raro momento havia acontecido no dia em que tinha um compromisso marcado. Não seria a ultima a chegar dessa vez.

Em outro canto da cidade, mais especificamente em uma livraria, não tão distante do prédio em que mulher de negócios trabalhava, um jovem, nem tão jovem assim, estava sentado em uma mesa improvisada. Uma fila um tanto extensa começava a se formar. Todos estavam ali para conseguir uma assinatura, uma dedicatória ou um simples autografo. O autor de romances era novo no que fazia, mas era o que lhe fazia feliz, então o fazia bem.

O escritor tinha criado um pequeno "evento", para encontrar seus leitores. Tudo tinha começado no twitter e agora ele estava ali, debatendo sobre o seu romance, com dramas e hipérboles de sobra. Outras pessoas realmente tinham se apaixonado por suas palavras, e aquilo só parecia irreal. Tão irreal que não viu o tempo passar.

Quando olhou para o relógio em seu pulso, que havia ganhado da pessoa pela qual se apaixonou, e se apaixonava ainda mais todos os dias, percebeu o quão atrasado estava. Normalmente o papel de se atrasar pertencia a mulher de negócios, mas dessa vez o papel seria dele, isso se conseguisse chegar antes das duas garotas fazerem o pedido.

Se inclinou para cochichar alguma coisa no ouvido da sua pessoa amada "Estou atrasado", sussurrou baixo e recebeu um balançar de cabeça simples como resposta. Logo sua amada estava de pé, agradecendo a todos que tinham ido ao pequeno evento e pedindo desculpas pelo fim ter chegado tão rápido. O autor suspirou aliviado por sua namorada ter tido calma, coisa que não era comum vindo dela.

Rapidamente a livraria se esvaziou e o autor se viu sozinho com sua namorada, deu um beijo casto nos lábios rosados da mulher e saiu apressado, o ponto de encontro era distante da livraria então, se quisesse chegar na hora teria que correr.

Distante da livraria e do prédio de negócios, os muros da universidade se erguiam tão imponentes quanto os do prédio de negócios, e guardava tanta diversidade de pessoas quanto a livraria. Diante dos alunos do curso de cinema, a professora de roteiro dava sua aula de pé. A mulher de pele chocolate e cabelos negros ondulados era uma das mais queridas professoras, responsável por diversos projetos com os alunos, além de ser conhecida por sua enorme lista de referências e uma língua um tanto afiada.

Ela desfilava na frente da sala com a classe que sempre tivera, suas vestes despojadas a davam um ar jovial e amigável, que era muito importante para se aproximar ainda mais de seus alunos. O sinal já havia tocado a algum tempo, mas nenhum dos alunos se quer se moveu, permaneceram em seus lugares à espera do fim da fala de quem seria a sua professora favorita.

Quando terminou sua fala os alunos ainda tomaram alguns minutos de seu tempo com perguntas e duvidas, as quais respondia com tamanho prazer que era impossível de expressar. Ao sair da sala caminhou sem pressa alguma, apesar de saber que chegaria atrasada, afinal de contas o importante era não ser a última a chegar, tinha a sorte de trabalhar tão próximo do ponto de encontro que podia ir a pé, e ainda assim chegaria em menos de cinco minutos.

Saiu da universidade apenas com sua bolsa de lado, afinal ainda voltaria para as aulas da noite, e caminhou observando as coisas ao seu redor, caminhar até o café em que se encontravam pelo menos uma vez ao mês talvez fosse o segundo melhor momento de seus dias, era o segundo por ser o que precedia o melhor momento, se reencontrar com seus amigos de longa data.

Ao adentrar na cafeteria simples se arrependeu de não ter tido pressa. A mulher de negócios já estava ali, seu cabelo longo solto sobre os ombros de forma desarrumada, mas ainda assim era estonteante, ao seu lado estava o recém autor de livros, sorrindo cansado por ter se apressado tanto para chegar ali. Agora, conforme o combinado de anos, seria ela a pagar a conta do final de tarde.

- Não acredito que fui a última a chegar – reclamou risonha, se jogando na cadeira da mesa que sempre sentavam.

- Eu também não acredito – replicou o autor – A universidade é, literalmente, na esquina!

- A vida tem dessas! – deu de ombros, mesmo sabendo que a conta ao final da tarde lhe aguardava.

- Finalmente! Não vou ser eu quem vai pagar a conta! – a mulher de negócios entrou na conversa. Nos últimos cinco encontros dos três amigos tinha sido ela a pagar a conta.

Logo a conversa dos três mudou totalmente de assunto, a conta a pagar era o menor dos detalhes, era só uma brincadeira para os motivar a não esquecer do compromisso, do trato que tinham feito a algum tempo. A conversa mudou tanto que eles pareciam não conseguir se manter em um assunto por mais de dez minutos.

E, de repente.... Eles eram adolescentes novamente. Brigando, brincando, discutindo e rindo de tudo. Como era na época do ensino médio, unidos e vivendo no mundinho pessoal que eles tinham criado, um mundinho que só tinha espaço para eles e para todas as referências que só cabiam na cabeça dos três.

E, de repente parecia que tudo se repetia, as risadas, os dramas, as lagrimas, tudo mesmo, sem tirar nem pôr eles eram os mesmos da adolescência. Mas aquele momento, onde a nostalgia corria solta e as risadas eram quase tão altas quanto gritos, só acontecia ali, entre os três, não importava se o encontro da vez era shopping, no cinema ou em uma cafeteria qualquer como aquela, por que o mundinho pessoal que eles haviam criado era mais do que o suficiente para que qualquer momento em que os três estivessem juntos fosse eternizado pela nostalgia de se voltar a ser adolescente.

E, de repente toda a responsabilidade e aparência de maturidade que eles construíram com o tempo caíram por terra, se transformaram em nada mais do que uma lembrança do cotidiano, por que a maturidade para eles, quando juntos, era superestimada, era uma coisa da qual não precisavam.

E, por fim, de repente eles se inundavam naquela amizade de anos, esquecendo completamente o cotidiano, se prendendo ao que realmente importava naquele momento: eles, a amizade de longa data e nada mais.

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⏰ Last updated: Nov 12, 2019 ⏰

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E, de repenteWhere stories live. Discover now