Ellen gostava de dias quentes como o de hoje. Não tão quentes que secassem a terra ou as plantações, nem que fizessem seus porquinhos ou suas galinhas sofrerem por sede, ela gostava dos dias em que a brisa fria batia no rosto e o sol abraçava cada milímetro de sua pele gentilmente. Ellen, num geral, não gostava de dias chuvosos porque eles significavam que ela iria percorrer um grande caminho de lama até poder alimentar seus animais, ou talvez ficaria entalada debaixo da chuva e seria arremessada em uma grande poça por algum de seus porcos. Eles sim amavam dias chuvosos. Corriam pelo grande quintal e rolavam por cada poça, não importava se todas eram iguais.
"Elle! O Drystan não quer me deixar brincar com a Josefina!", Nell gritou. Nell e Drystan eram seus irmãos mais novos, pequenos demais para entender a dificuldade que passavam e grandes demais para não perceber que algo estava errado. Assim que sua mãe soube que estava grávida, Ellen soube que teria mais responsabilidades do que apenas alimentar os bichos e estudar, mas isso nunca fez com que ela se sentisse injustiçada, muito menos irritada, ela era o tipo de garota com o coração de ouro que não faria mal a uma mosca, em vez disso, talvez a mosca lhe fizesse mal. Ellen sabia que, no momento em que colocasse seus olhos em seu irmão ou irmã, amaria incondicionalmente aquela criança e faria de tudo para que pudesse ajudar seus pais a criá-la. Entretanto, tudo mudou quando, ao invés de uma, vieram duas crianças. Sua mãe logo entrou em desespero, eles sabiam que seria difícil alimentar mais um integrante, mas então vieram dois e o difícil pareceu impossível. Seu pai, no entanto, mantinha o seu melhor sorriso no rosto e ajudava a esposa em tudo, passou noites acordado e arranjou mais bicos pela vila, tentando a todo custo trazer comida para a mesa. Muitas vezes seus pais não comiam, mas nunca chegaram a admitir isso abertamente. "Estou sem fome", eles diziam. Ou então respondiam um "Já comi na rua, meu bem". Ellen sempre soube que eles estavam tentando protegê-los, mas toda noite em que ela acordava com sede, ouvia seu pai chorando em desespero sem saber o que seria deles. Algumas pessoas doaram comida e roupas, o que ajudou no início de tudo e Ellen era grata por isso. Era grata por todos os integrantes de sua vila porque todos ali estavam numa mesma situação e, por isso, sabiam que precisavam uns dos outros, eram como uma, pequena, grande família.
"Drystan, você não pode pegar a Josefina para você." Ellen disse e tomou, com cuidado, a galinha das mãos de seu irmão menor que esboçou um bico de choro.
"Mas eu quero…", disse com a voz embargada fazendo sua irmã suspirar. Ellen o pegou no colo e ajeitou a mecha de cabelo enrolado presa em sua testa pelo suor. "Eu te faço um sanduíche e mais tarde você brinca com a Josefina, que tal?", sorriu simples e o pequeno concordou.
"Bom dia, Ellen!", Sra. Nancy apareceu na varanda ao lado fazendo a garota soltar um sorriso largo. Ellen gostava de Nancy, ela tinha boas histórias e sempre a chamava para tomar um café com bolo, dizia que era uma tradição das pessoas da Terra Velha e a garota sempre agradeceu mentalmente aos seus ancestrais por isso. "Bom dia, senhora Nancy! Hoje está um ótimo dia, não?", a velha sorriu e se sentou em seu balanço de madeira, com suas agulhas de crochê na mão, uma antiguidade que ela guardava de suas gerações passadas. "Parece que vai chover de tarde, faz bem pras plantações.", Ellen riu. Sempre que Nancy dava alguma previsão para o tempo, aquilo se tornava real, não importava se estava quente a ponto de atear fogo em uma árvore, sempre que a senhora dizia que iria chover, os céus davam um jeito para que acontecesse. Ellen nunca soube se ela usava os seus poderes para chamar a chuva ou se era só muito boa em adivinhar esses acontecimentos. "Tenha uma boa tarde, senhora!", Ellen acenou e entrou em casa.
"Liga o holograma para vermos as notícias, ok?" Drystan assentiu e se sentou no sofá, enquanto a mais velha se dirigiu à cozinha. "Bom dia, eu sou a Verona, e eu sou o Clarke, e estamos apresentando o Portal Terra Nova. Hoje, após 900 anos, os três reis de Terra Nova anunciaram a primeira disputa pelo trono do Reino Vulturnus. Vamos brincar?! Poppy, o que me diz?" Ellen correu ao outro cômodo, havia acabado de começar As Aventuras de Poppy e seus amigos, o programa favorito de Drystan. "Volta no canal de notícias, Drystan", o garoto recusou, encantado com a personagem. "Depois eu coloco o programa da Poppy pra você", o menor franziu o cenho e saiu pisando forte. Ellen voltou ao canal anterior onde ouviu a notícia tão tentadora. "Os reis emitiram um comunicado no Twimbler onde dizem: Devido aos acontecimentos referentes a Rainha Octavia e pela falta de sucessores de seu sangue, fez-se necessária, num consenso geral, a abertura dos jogos pelo trono de Vulturnus.", Ellen arregalou seus olhos e se encostou no sofá, incrédula. Era isso mesmo? Qualquer um teria a chance de tomar posse do trono? "As inscrições serão abertas amanhã, dia 04 de Maio, e todo e qualquer habitante da Terra Nova está apto a participar do processo seletivo. E agora as notícias do clima…", a garota desligou o holograma e apoiou os cotovelos em seus joelhos, segurando suas mechas castanhas. Seria ridículo pensar que ela poderia ganhar essa competição? Seria possível? O cheiro de grama molhada invadiu suas narinas e os pingos começaram a bater com força no vidro da janela atraindo sua atenção. Sra. Nancy estava certa, iria chover durante a tarde.
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The Crown
FantasyO mundo já não era mais o mesmo, os seres humanos haviam voltado às suas origens e reconquistado toda a sua magia natural e, ao mesmo tempo, a raça humana havia destruído suas próprias terras, se vendo obrigada a começar tudo do zero. De pouco em po...