Não é um adeus

5 4 0
                                    

Após momentos de puro êxtase do reencontro, elas começaram a distinguir entre os batuques magistrais produzidos desde sua entrada na frondosa mansão astral os acordes diferenciados do lugar, ouviam sinfonias de blues vindo ao fundo que não chegavam a cobrir o som dos atabaques, mas eram tão imponentes quanto os mesmos, o que trouxe novos movimentos a sua performance rítmica em forma de dança do reencontro. Os movimentos tornaram-se mais suaves e convidativos, a sensualidade fincou sua marca no território, cativando todos ao seu redor, porém sem trazer a visão degradante do leviano. Era natural, único, gratificante; uma verdadeira obra de arte do encontro ao eterno amor. Afabilidade que nunca se acaba, se envaidece, adoece ou machuca. O aqui era revelado ali, era amor que cresce, liberta, enobrece e cura.

Repentinamente seus olhos se encontraram e assim notou-se o registro da despedida. Era chegada a hora de dizer adeus. Lágrimas se formaram, trazendo um pequeno toque de melancolia e tristeza, mas seus corações ferviam de amor, gratidão pelo encontro magistral e único, sabiam que não terminariam ali, que se reencontrariam em algum momento, lugar ou espaço.

Em um movimento brusco e magistral, sua amada rodopia, indo até o chão e levanta-se como que suspensa por fios invisíveis aos olhos da carne. Seu corpo vai até o chão como se tivesse vida própria, seus olhos presos a um espaço que não mais era aquele em que há alguns instantes somente elas existiam, em algum momento e por algumas frações de segundos daquela perfeita performance idílica, seus olhares se encontraram, os lábios continuaram a sentir a urgência adiada do toque, o reconhecimento foi registrado no silencioso adeus, o que levou a entenderem a silenciosa mensagem.

Rachiel vira-se, tomando seu caminho de volta com um pequeno sentimento de pesar, todavia com o coração ardendo em felicidade pela chama da certeza de que aquele encontro não fora o fim, e sim o começo de uma história a ser vivida em encontros etéreos, que mesmo sendo por curtíssimo espaço de tempo a profundidade de cada toque trazia a certeza de que o amor sempre vence.

Chegando ao final do amplo salão, virou-se em direção a Oriel. Assistiu por frações de segundos seu desempenho ritualístico fotografando em sua mais rica memória a imagem à sua frente, suas indumentárias tradicionais que se apresentavam como as conhecidas pelas vestimentas das baianas. Seus parcos conhecimentos não identificavam se eram feitas com pano da costa, mas também poderia ser morim ou cretone. O conjunto era formado de saia rodada e bata solta e tinha uma espécie de xale colocado sobre os ombros, usava chinelos de saltos baixíssimos e os turbantes que pareciam de descendência dos negros da parte muçulmana da África.

Naquele momento, somente sua visão importava, analisou e memorizou Oriel mais uma vez, gravando a projeção em seu mais profundo ser, lamentou pela não materialização do beijo que poderia ter sido adiado para um próximo encontro, mesmo porque o beijo foi sentido e identificado pelo olhar, com a intensidade do soneto das ondas bravas quebrando ao rochedo com o toque sutil e ameno da brisa marítima em total sintonia como o encontro do mar com o porto seguro.

Tendo a certeza de um reencontro iminente, Rachiel suspirou mais que satisfeita e com imensa gratidão virou-se para a nação cósmica da eternidade que é a nossa morada eterna e voltou para a continuidade da sua jornada.

Sax & Atabaques (Conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora