Alex não se recordava de, algum dia, ter se sentido tão exausta. Era como se cada músculo, articulação e ligamento de seu corpo protestasse contra a verdadeira odisséia dos últimos meses, que culminara naquele fatídico dia. Como atleta, ela já havia passado por muitas dores - e nesse campo, aquelas que sentia na carne eram um tanto mais suportáveis do que as que tocavam seu ânimo, seu espírito - mas naquele dia algo parecia diferente. Era como se toda a adrenalina e foco que a carregaram até ali tivessem se dissipado com a vitória, deixando que ela enfim sentisse com cada célula de seu corpo os extremos a que se forçava. Ou talvez fosse apenas o fato de que, pela primeira vez em muito tempo, ela não tinha com quem comemorar aquela vitória.
Não que estivesse, de fato, sozinha. Tinha seu treinador, sua equipe de preparadores físicos, uma família maravilhosa que mesmo a milhares de quilômetros se fazia tão presente. Tinha os fãs, uma companhia constante e que nem nos seus melhores sonhos ela teria imaginado. Tinha uma boa quantidade de amigos que no momento explodiam seu celular com mensagens exigindo uma comemoração à altura. À altura dela, the Panther, a mais jovem lutadora a disputar um cinturão do MMA. Ignorando tudo aquilo, contudo, Alexandra havia saído do ginásio e se enfiado no primeiro avião de volta para casa. Agora que finalmente chegara ao charmoso apartamento no centro de West Village, não podia compreender o motivo de tanta pressa para estar ali. Beirava o ridículo que se sentisse tão sozinha, simplesmente por não ter à sua espera aquele que sempre a recebia com as mãos sempre tão estupidamente geladas, e olhos capazes de aquecer seu corpo inteiro. Merda, era ridícula a falta que sentia de Brian.
A mulher soltou a mala ao lado da porta, ignorando o fato de serem duas da manhã e ela ter vizinhos no andar de baixo, cansada demais para se importar. Dois passos para dentro da sala, e a visão do moletom vermelho virado do avesso sobre o encosto de uma cadeira chamou sua atenção e, fosse outra a ocasião, teria esbravejado pela casa. Naquele momento, contudo, a peça só parecia aumentar ainda mais a saudade que tinha dele, especialmente de quando a esperava na cama com um sorriso quase tão caloroso quanto o maldito agasalho. A ausência das chaves do carro penduradas detrás da porta, bem como o silêncio no ambiente - onde Brian estivesse, haveria música -, eram provas suficientes de que estava sozinha em casa. Alex sentiu um frio no estômago ao se lembrar da última conversa que tiveram pessoalmente, há algumas noites, quando disse uma série de coisas da boca para fora, ouvindo de volta um par de verdades doloridas que agora não tinham a menor importância.
O fato de o namorado não acompanhá-la em nenhuma de suas competições já não deveria, àquela altura do relacionamento, ser um ponto de atrito entre eles. No início, Alex se desgastava até as lágrimas, argumentando aquilo era o equivalente a ela deixar de ir aos shows dele - como de fato ameaçava fazer, quando os ânimos se exaltavam demais - ao que o rapaz costumava retrucar que não havia muito mal que um baixo pudesse lhe causar e que, ao contrário dela, sempre retornava para casa inteiro.
Com o tempo, a mulher havia aprendido a respeitá-lo naquela decisão de, nas palavras de Brian, 'não se obrigar a ver sua namorada apanhando por livre e espontânea vontade'. Nos dias em que o humor estivesse elevado, Alex argumentaria que quem devia se preocupar com aquilo eram os parceiros de suas adversárias, e ganharia com isso um sorriso custoso daqueles lábios que, ela sabia, amavam derramar sorrisos e detestavam se abrir para discussões. Ela era a parcela implicante e causadora de problemas daquele duo, e sabia disso. Brian também sabia, e a amava ainda mais por isso: havia algo na chama inquieta dentro de Alex que combinava perfeitamente com sua quietude, e ainda que se apaixonar por alguém de um mundo tão diferente do seu tivesse um preço, na maior parte do tempo aquele era um valor pequeno a se pagar diante de todas as alegrias cotidianas que compartilhavam em uma vida lado a lado.
Daquela vez, contudo, as coisas eram diferentes para Alex: aquela não era mais uma luta. Era a maior luta de sua vida, e no instante em que o juiz ergueu seu braço, consagrando-a vencedora, enquanto a multidão estremecia ao som de seu nome, ela buscou aquele par de olhos castanhos e aconchegantes - olhos que, ela sabia, eram os únicos que conheciam a Alexandra detrás da Pantera - e não encontrou. Brian não estava lá.
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BREAK THE ICE - Brian Kang
RomanceAlex é uma lutadora, em um mundo em que a força física determina os vitoriosos e os perdedores. Brian é um músico, de alma mansa e sorriso fácil. Quando universos tão diferentes se encontram, é preciso aprender a ceder. A amar. ~ Originalmente posta...