Piloto

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Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Foi o tempo suficiente de paz que eu tive até o tilintar da campainha ser ecoado e atravessar todos os cômodos da casa até o meu quarto -no fim do corredor- e tirar toda minha atenção dirigida ao livro que eu mal abrira.

Morar sozinha sempre foi um desejo para mim, não ter ninguém no seu pé o dia inteiro, não dever satisfação aos seus pais já que eles não te sustentam mais ou até mesmo -e o que eu mais sonhei- sair em um sábado a noite pra curtir uma festa sem ter hora pra voltar.

Porém como nem tudo são flores aí vem a parte chata: já que é apenas você na casa, você que tem que fazer todas as tarefas. Lavar banheiro, faxinas, louças...abrir a porta quando chegam visitas.

Bufei irritada fechando o livro e levantei-me da cama, meus chinelos estavam despachados ao lado do criado mundo, eu sabia bem já que minutos atrás os deixei ali no intuito de deitar em minha cama large size e relaxar lendo um romance clássico de Ian McEwan. Reparação. Já havia um tempo que tinha comprado o livro, mas o tempo e a paciência não me permitiam parar um segundo para apreciar a obra. E aparentemente nem o universo estava querendo que eu fizesse tal coisa.

Pela forma que a campainha era pressionada freneticamente deduzi logo quem seria a pessoa a tirar meu momento de paz e sossego em um domingo pela manhã: Amber.

-Eles vão me despachar!- o tempo de girar a chave para destrancar a porta foi o suficiente para a loira adentrar meu apartamento totalmente desesperada. 

Amber 

-A senhora Montgomery teria coragem de fazer isso? Eu sei que a velha é chata e arrogante, mas ser capaz de expulsar alguém que não tem onde viver… é, ela seria capaz- conclui confirmando sua sentença.

 Amber é minha melhor amiga desde que eu me entendo por gente, nós duas saímos de Buford, uma cidade no interior da Geórgia pra morar na gigantesca Atlanta, por sorte fomos aprovadas na mesma faculdade, a diferença é que eu curso arquitetura e ela psicologia. 

Faz sentido a psicóloga ser mais louca que os pacientes?

-Eu sei que não pago o aluguel há 2 meses, mas ela não tem esse direito- disse ao se jogar no sofá completamente emburrada, ri da sua atitude.

-Na verdade ela tem sim- me aproximei -Sua mãe vai pirar quando descobrir que o dinheiro destinado ao aluguel você está gastando com roupas e bolsas da Chanel- cantarolei a deixando mais brava, ela bufou e arremessou uma almofada em minha direção

-Tô falando sério, Natalie. Ela vai me fazer voltar pra aquela cidadezinha mixuruca e pacata, eu não quero largar minha vida social- nem Shakespeare conseguiria escrever uma personagem tão dramática quanto Amber Collins. Sentei-me ao seu lado para a acalmar.

-Relaxa, vamos dar um jeito- segurei seu rosto para que ela me encarasse -Você vai ter que vender suas coisas- a frase pareceu atingir dez partes diferentes do seu corpo, a cara de desespero foi impagável.

-Por favor, não!- choramingou -Tem que ter outro jeito, aquela velha não pode me dedurar pra minha mãe-

Sim, a Amber é extremamente mimada e em toda sua vida teve tudo que quis. Seus pais superprotetores quase não a deixaram sair da nossa cidade para cursar faculdade fora, mas após muita insistência e uma Amber totalmente atriz fingindo que Atlanta seria o melhor para o seu futuro e blá blá blá, eles cederam.

A condição seria morar em um apartamento de confiança dos pais dela… aparentemente a mãe da Amber havia sido aluna da senhora Montgomery. Assim, Amber vivia em um condomínio luxuoso enquanto eu em um simples apê no centro de cidade, ao menos pago meu aluguel.

-O que você vai fazer? Roubar um banco?- ironizei enquanto ela encarava a parede

-Quase isso- um sorriso sacana surgiu em seus lábios, eu conhecia essa feição, coisa boa não é.

-Amber Madeleine Collins, no que você tá pensando?- fingi autoritarismo

-Estamos aqui há 6 meses, certo?- perguntou e eu assenti seguindo sua linha de raciocínio -Não sei você, mas em uma das festas em que eu fui fiquei sabendo de uma gangue extremamente perigosa que domina a Geórgia e adivinha, eles vivem em Atlanta- sim, eu já tinha escutado falar dos The Canadians, mas nunca havia visto eles, pra falar a verdade, ninguém sabia quem eram.

-Por favor não me diz que você vai ser a putinha deles em troca de dinheiro- aquilo estava fora de cogitação, ela preferia mesmo ser prostituta à vender as bolsas caras que havia comprado?

-Ai Natzinha, eu não sou tão baixa assim- me repreendeu -Eles precisam de pessoas pra ser aviãozinho, entregar drogas em determinados locais e essas coisas, e pagam uma grana boa-  arregalei os olhos, ELA PREFERIA TRAFICAR AO INVÉS DE VENDER OS CARALHOS DE BOLSAS CARAS??????!??

-Você tá louca???? Imagina se a polícia te pega?- levantei já nervosa, minha amiga não tem juízo MESMO

-Pensa bem, eu sou a pessoa perfeita. Sou mulher, não sou mal encarada (sem preconceitos) e aparento viver bem. Um tira nunca desconfiaria de mim, ainda faço uma carinha inocente e tá tudo certo- a forma que ela falava parecia tão simples que por um instante até pensei que daria certo, mas…. não!

-Fora de cogitação, nem pensar. A gente pensa em outra coisa- ela bufou -Todo esse papo me deixou faminta, você e suas loucuras- passei as mãos no rosto -Vamos sair pra almoçar- disse me dirigindo à escada, mas ela continuava com uma cara de criança que vai aprontar.

-Como você é chata, seria uma boa até pra nos aproximarmos deles, dizem que são gatinhos- falou vindo em minha direção com a malícia estampada no rosto.

-Eu não tô nem aí, são bandidos- ignorei as palhaçadas dela, essa garota de fato não tem senso das coisas.

-Você tá precisando de sexo, desde que saímos de Buford e você terminou com aquele embuste do Mike você não transa, eu ein- e essa é minha amiga sendo extremamente verdadeira comigo.

-Eu acho que você deveria cuidar da sua vida- sorri falso e ela me mandou o dedo do meio.

-Eu gostaria de conhecer os The Canadians- disse por fim se jogando em minha cama e eu entrei no closet pra não ouvir mais tanta baboseira.

Heaven in hellOnde histórias criam vida. Descubra agora