Capítulo 1 sem título

4 1 0
                                    

Entre os trilhos do túnel do metrô algo como uma poça ondulante se movia, escorrendo em um reflexo amarronzado, vindo da estação Vila Mariana para a Santa Cruz. Um medo insinuou-se em mim, como se algo ruim caminhasse rápido pelo escuro, mas eu não tinha tempo para pensar naquilo; precisava ir trabalhar e talvez esse fosse o motivo do incomodo. Mesmo assim a poça marrom ainda se movia em direção à estação.

Primeiro foi o chão que tremeu desproporcional à trepidação dos trens, em seguida um estrondo abafado ecoou pelo túnel e a poça ondulante invadiu a plataforma lotada, como uma maré alta de baratas que trazia consigo um tapete cinza-encardido que chiava como ratos. O pandemônio teve início tão logo as pessoas deram-se conta da invasão: gritos histéricos, pulos, empurrões, gente caindo no chão e sendo encobertos pelas pragas e outras, submersas por elas ao caírem nos trilhos, tentando se salvar como se estivessem se afogando.

Outro tremor anunciou que havia um perigo maior que fazia baratas, ratos e pessoas fugirem juntos. As luzes piscaram e muitas luminárias se apagaram, várias estouraram e permaneceram soltando faíscas, iluminando em flashes macabros as cascas envernizadas dos insetos em todo lugar, inclusive nos rostos contorcidos de pavor. Um tremor mais forte fez o concreto se rachar e pedaços do teto caírem sobre os que tentavam subir as escadas uns por cima das outros.

Eu estava paralisado, encostado na parede, enquanto baratas velozes passavam sobre meus sapatos. O vento forte e quente vinha da direção da Sé, onde eu desceria para chegar ao trabalho, e a certeza de que um perigo poderoso estava a caminho tirou-me do torpor paralisante. A estação tremia como que num terremoto, o concreto em volta do elevador se partiu e a estrutura tombou sobre as pessoas, quebrando ossos e esmagando corpos, depois rolou com calma, caindo enfim nos trilhos.

Andei vacilante para frente, pisando em baratas atrasadas, e olhei para dentro do túnel. Pessoas corriam pelos trilhos, vindo da estação Vila Mariana, o vento rugia trazendo o anúncio da chegada de um trem veloz. Gritei e abanei os braços para que eles saíssem da frente, no entanto não fui ouvido, e o trem em altíssima velocidade, com fogo saindo pelas janelas quebradas, passou por cima de tudo e todos em seu caminho como uma besta abissal, descarrilhando em seguida e derrubando os pilares da estação.

A fumaça preta e a poeira tornando o ar rarefeito, pessoas tossindo e gritando ao mesmo tempo, o ar faltando e sem ar não fico nem fodendo! A força muscular movida pelo instinto de sobrevivência incendiou-se em mim. Corri empurrando as pessoas, escalei o que restou da retorcida estrutura do elevador ferindo as mãos na ferragem exposta, quando fui puxado para traz com um tranco, porque minha mochila enroscou em algo. Soltei-me dela e assim que levantei a perna para apoiar o pé no concreto quebrado da parede, fiz um corte longo na coxa. A porta do elevador não abria, por isso fui obrigado a sair pelo vidro quebrado e ganhei mais um corte, dessa vez na barriga.

No andar de cima as luzes piscavam e o concreto do teto caía sobre as pessoas, erguendo uma nuvem de poeira que rodopiava dentro de uma ventania muito mais forte do que o normal naquela estação. Dando braçadas como se nadasse num mar de pessoas, avancei alguns metros, pisando em buracos macios no chão onde os pés afundavam e era difícil dar outro passo.

Como em um campo de batalha a multidão se empurrava para o lado errado, pois quem vinha da rua ou do Shopping Santa Cruz fugia para dentro da estação e quem vinha das plataformas fugia para fora. O vento quente soprava com violência desmedida ali também, vindo de todos os lados como uma tempestade de areia e pedregulhos. As luzes que sobraram estouraram, lançando rajadas de finos cacos de vidro em todos nós, cravejando e ardendo na pele e a única claridade vinha das faíscas das luminárias. Na parafernália de barulho de gritos, vento rugindo, concreto caindo, todos os selvagens tentavam se salvar sem saber exatamente do quê.

SÃO PAULO EM CHAMASWhere stories live. Discover now