O que o filme Coringa pode nos ensinar sobre fazer bons vilões?

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*O texto pode conter spoilers do filme Coringa, lançado em 2019.

**Texto publicado originalmente no Médium

A atrasada aqui deixou passar o hype do filme do Coringa, lançado no início de outubro, e só recentemente, 2 meses depois, foi assisti-lo. Achei o filme uma aula de como fazer vilões humanos e verossímeis e presumi que valia a pena analisá-lo e exemplificar cada passo para que possamos levar essa aprendizagem para nossas escritas.

Antes de mais nada, é bom dizer que vou dar muitos spoilers no texto, então se você não assistiu o filme, não leia ainda. Mas se você já assistiu ou não se importa com spoilers, segue em frente:

 Mas se você já assistiu ou não se importa com spoilers, segue em frente:

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Comece com uma pessoa "gente como a gente"

Vilão ou não, seu personagem deve ser, antes de qualquer coisa, uma pessoa comum, como todas as outras, com uma vida, uma rotina e um passado.

Repare que o filme começa mostrando a realidade do Arthur Fleck (que depois se torna o Coringa), com ele no trabalho em meio outros colegas e um chefe, cuidando da mãe, vendo os noticiários, entre outras coisas.

Seu vilão deve ser mau sim, mas ele também deve ser uma pessoa humana.

Outro fato que podemos reparar é que o Arthur tem sentimentos e emoções. Ele gosta e cuida da mãe, ele se sente atraído pela vizinha, fica chateado quando os colegas de trabalho zombam dele e quando o chefe lhe dá uma advertência. Quer um personagem mais humano do que o apresentado no início da cena no metrô, quando dois rapazes começam a importunar uma moça e Coringa é o único no vagão além deles? Arthur e a moça trocam olhares cúmplices, um pedindo ajuda ao outro, mas ele próprio sabe que não há nada que possa fazer e vemos o medo refletido em seus olhos.

O Coringa também tem uma característica única, que o faz diferente das outras pessoas e que gera a ele seus próprios conflitos e traumas, que inclusive aparece nessa mesma cena do metrô: a doença que lhe faz rir histericamente quando fica nervoso.

Essa doença da risada, conjuntamente com os demais problemas psicológicos do personagem são o que o torna humano, e podem ser considerados como os defeitos dele. Mas o personagem não é só feito disso. Ele também tem qualidades, ele também tem sonhos (se tornar um humorista famoso, por exemplo), ele também tem medos, desejos, anseios...

O Coringa faz até terapia e toma medicações!

É isso que quero dizer: faça seu vilão com um background de pessoa comum, que faz atividades comuns, tem sentimentos comuns e vive como todos os outros, inclusive trabalhando para se sustentar, além de enfrentar seus próprios conflitos.

Incidentes traumáticos

Mas existe algo que a partir de um certo momento deve distanciar seu vilão das pessoas comuns, afinal ele se destaca, ele é diferente, é mau, é um vilão. No caso do Coringa são diversos eventos traumáticos que o afastam "do bem", digamos assim. Afinal uma pessoa comum não ia sair atirando nos caras do metrô, não é?

Tudo muda na vida de Arthur quando ele é espancado pelos garotos que roubaram sua placa, enquanto trabalhava. Não é à toa que o filme já começa com essa parte. Sempre devemos começar pelo que interessa, pelo gatilho/acontecimento que faz tudo desandar. Nesse caso foi a surra que Arthur levou que o fez conseguir uma arma, depois ir para um hospital com a arma, ser demitido por causa dela, ir para o metrô, lá encontrar com os rapazes importunando a moça, ser espancados por eles e se defender, matando-os.

Mas não é só isso. Nunca é. Qualquer pessoa comum poderia, mesmo depois de enfrentar tudo isso, ainda continuar no caminho do bem. A desgraça de Coringa não acabou por aí. Para ajudar, depois do incidente, sua terapia foi cortada porque o governo não tinha mais dinheiro; ele fez uma apresentação fracassada de stand-up, e além disso, Arthur virou um dos suspeitos da morte dos rapazes no metrô e sua mãe foi interrogada, passando mal e indo parar no hospital.

Traumas e histórico de problemas na infância

O filme prossegue, e ao longo dele vemos que não foram só os problemas daquele momento que afetaram Arthur e o tornaram um vilão. Desde a infância ele foi se tornando assim. Coringa descobre que sua mãe é esquizofrênica, que ele é adotado e que na infância sofreu maus tratos e tortura por parte de um padrasto. Seus problemas psicológicos são oriundos desses traumas. Assim como o Coringa, seu personagem também deve ter problemas que vêm desde muito antes e que o afeta desde muito cedo. Uma infância problemática sempre pode levar alguém pro mal caminho.

Contexto histórico e local

Outro elemento que é bom se atentar na hora que criar seu vilão é o contexto aonde ele está inserido. No filme, a cidade está em uma situação crítica, com ratos pelas ruas, cortes de verbas, ricos contra pobres, etc. Tudo isso influencia muito nas atitudes e até na personalidade do Coringa.

Ele é fruto também do meio e do contexto em que vive e isso fica nítido.

Então, não esqueça: faça um vilão que se encaixe perfeitamente no mundo da sua história, que pense como alguém pensaria se vivesse naquele mundo e naquela época e que tenha se tornado assim também pelo contexto social-econômico.

Interação vilão e mocinho

E quando estiver trabalhando seu vilão não esqueça-se de seu antagonista: o mocinho. Eles serão inimigos? Por quê? Como vão se conhecer? O que fará que um odeie tanto o outro? E o que eles têm em comum? Por que um virou o mocinho e outro virou o vilão?

Em Coringa, já temos uma interação entre Bruce Wayne (que virá a ser o Batman) e o Arthur Fleck (futuro Coringa). Mesmo que Bruce ainda seja uma criança, ele conhece o Arthur e começa a vê-lo diferente, vê-lo como um vilão, o sentimento de ódio e repulsa vai crescer junto com ele e vai justificar, mais tarde, os inúmeros confrontos entre os dois.

Também vale aqui dizer que ficou subentendido que o próprio Coringa, com todas as suas ações e a revolta popular que gerou, foi o causador indireto da morte dos pais do Bruce.

Seus motivos são justificáveis?

Outra coisa importante a pensar é: como o vilão se enxerga? Ele se vê como um herói? Acha que seus atos são justificáveis e que está fazendo algo para o bem de alguma pessoa ou para boa parte delas? O Coringa acredita que sim.

E pra intensificar ainda mais isso, ele tem o apoio de boa parte da população que o vê como um símbolo da revolução que querem iniciar. Tanto é, que muitas se vestem de palhaço e mesmo depois que ele mata o apresentador Murray Franklin ao vivo em seu programa de TV, saem para resgatá-lo.

Coringa é sim um herói para alguns e, em pelo menos um ponto de vista, o seu vilão também deve ser.

Resumindo...

Para simplificar, vamos dizer que assim como o Arthur Fleck seu vilão deve começar como uma pessoa comum, presa a seus próprios dilemas, com seus próprios sonhos, defeitos, qualidades e medos. Pouco a pouco as coisas devem ir acontecendo a ele para torná-lo cada vez mais mau e justificar suas atitudes. Ele também deve ter uma motivação forte, algo que faça muitas pessoas ficarem ao seu lado.

Além disso, não esqueça de considerar o mundo e o contexto onde seu personagem está inserido, coloque pessoas para que ele se relacione e tenha sentimentos reais e humanos, faça traumas, passado sombrio e algum incidente que piore ainda mais as coisas. Além de relacionar e justificar de alguma forma a relação protagonista/mocinho com o vilão/antagonista.

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