O bilhete dizia apenas para estar aqui. Talvez o melhor lugar para se estar a essa hora da noite, com essa chuvinha bem leve e vento frio, fosse debaixo de um cobertor, um cenário distante de uma com ares de abandonada no centro da cidade.
Espera, Raquel?
(...)
Ela não... Não faria isso. A melhor pergunta seria o porquê de estar aqui. Ok, minha mente está agitada, respira fundo, calma Augusto, calma. Pensa, o que a Raquel estaria fazendo às onze da noite em um prédio abandonado?
Seguindo em frente então. Vamos ver o que tem lá. Bom, as janelas não ajudam muito, mas... Uma cadeira? Espera Tem alguém... Amarrando? Mão esquerda, não consigo ver quem está fazendo isso. O mais estranho é que ela não parece assustada. Ou melhor, eu estou mais assustado que ela, muito mais. Mão direita. Já está na hora de chamar a polícia?
- Pss! Psssss!
Olhei para trás e tinha uma mulher tentando, sem sucesso, se esconder atrás de uma árvore.
- Vem aqui.
- Quem é você?
- Não dá tempo de explicar, eu conheço você melhor do que você mesmo, se duvidar – ela parecia convincente.
- Isso te dá o direito de me chantagear?
- Isso não vem ao caso. Você viu ali dentro? Temos que dar um basta nisso. Eu juro que essa é minha última opção, senão nada disso...
- Disso o que exatamente? – O nervosismo sobe pelo meu pescoço varrido por uma onda de arrepios.
- Não posso contar agora, é importante que você não saiba por enquanto. Coloca essa máscara e entra lá quando eu disser.
Nesse momento, o que já estava estranho começou a ficar bizarro. Barulhos estranhos vinham do prédio abandonado. Vou largar essa mulher falando sozinha e ir ver eu mesmo. Mas o que... Ela está se debatendo, tentando sair da cadeira. Espera, ela está sozinha? A sensação de horror que invade meus pensamentos é inexplicável. Eu vi essa menina se tornar uma mulher, alguém de poder, influente. E ela entra num lugar desses, é amarrada e está se debatendo, se jogando contra uma parede tentando se livrar das amarras?
- Bota a máscara e tira ela de lá! – Essa mulher consegue me deixar mais nervoso ainda - Anda, seu idiota, agora! Ela está sozinha.
Respiração funda. O ar entra em meu corpo, gelando a garganta, secando o caminho até chegar nos pulmões. O ar que entrou com medo saiu com a coragem. Máscara no rosto, lá vou eu.
Dois corredores e uma porta. Foi fácil achar. Abri a porta, Raquel olhou profundamente para os olhos... da máscara. Na mesma hora ela congelou, dá para perceber o medo em cada microexpressão cuidadosamente marcada no rosto dela.
Meus passos nunca foram tão rápidos, desamarrei ela e puxei com toda força para fora daquela cadeira, eu só queria estar fora dali.
- O-que-você-está-fazendo?!
Ah, não, preciso tirar essa máscara.
- Sou eu, vem.
Raquel perdeu a cor diante dos meus olhos. Ela estava pálida.
- Como assim... Que-quem... Augusto, como assim? – E a expressão dela mudou e deu lugar ao pavor – Não é possível.
- Você me deve uma explicação – Nunca falei tão sério com ela ao longo de tantos anos.
- Você não entenderia – foi o que conseguiu dizer, gaguejando.
- Ele é inteligente suficiente – disse a mulher misteriosa que me deu a máscara. – Raquel, chega, isso é doentio. Augusto, eu e Raquel fomos sequestradas na infância. Ela se culpa até hoje. Chegou a esse extremo doentio. Fazemos encenações do sequestro para tentar aliviar a culpa dela, para que ela entenda que as vítimas fomos nós. Ela não entende que isso só piora.
- E como isso ajudaria?
- Eu – Raquel tomou vez – preciso entender onde eu falhei. Eu deveria ter escapado. Tinha que ter um jeito.
Agora é a minha vez de falar.
- Presta atenção. Já passamos por tanta coisa, você se tornou poderosa, tem tudo o que sempre quis. Entendo que não tenha me contado essa história, mas... Vamos sair daqui.
- Me tornei alguém que nunca fui. Tudo isso... Foram mentiras que me fizeram quem eu sou hoje. Foi aqui, nesse lugar. Se não fosse por mim... – lágrimas escorriam – eu teria meu irmão até hoje. Eu deixei ele ser morto, era meu dever cuidar dele.
- A gente nunca teve culpa, Raquel! Sou eu, a mesma Beatriz que estava ali com você, vendo seu irmão... Isso aconteceria com ou sem você.
(...)
Três dias se passaram. Hoje sei que Letícia me levou lá para que, naquela fantasia macabra, houvesse um herói. Alguém que a salvaria. Ontem Raquel me perguntou "O que seus amigos pensam sobre você?". A resposta não importava. O que pensam ou como me veem, ela explicou, não demonstra o que eu realmente sou. Só eu sou capaz de saber quais fantasmas me perseguem. Todos olham para ela com admiração, aplaudem, reconhecem. Menos ela mesma.
Me intrigou o fato de que, na verdade, não havia nenhum homem naquele prédio abandonado. Beatriz amarrou Raquel antes de encontrar comigo. Seja lá o que eu tenha visto naquele lugar, a amargura no olhar de uma de minhas melhores amigas está estampada em minha mente.
Toda vez que guardamos um segredo, ele espera para ser libertado.
Se não libertado for.
O segredo se torna um monstro.
Que mora dentro de nós.
Um monstro dominador. Um monstro que pode nos dominar.
Liberte-o antes que te domine.
YOU ARE READING
Segredos Obscuros
Mystery / ThrillerAugusto é levado até um prédio abandonado e irá descobrir o quão presente o passado pode estar.