Vitrine

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E no fim o que isso significa? Nada. Nem verdadeiras construções ou sonhos, nenhum deles conseguiu amenizar a derrota que viria.

Para um casal tão jovem e tão ambicioso aquilo já deveria ser o chão. Permaneciam sentados no escuro, sem dinheiro para trocar as lâmpadas da casa, que já estavam queimadas há muito tempo. Pelo menos ainda havia energia no apartamento e os números vermelhos do maldito rádio-relógio desregulado se destacava.

Era o apartamento mais alto que conseguiram comprar, as luzes da cidade movimentada entravam pelas grandes janelas de vidro. Talvez pensassem que aquele apartamento já estava abandonado. Se olhassem ao redor, veriam apenas um caríssimo tapete felpudo espalhado por toda a sala. Ela estava encolhida, com os joelhos abraçados já há alguns minutos. Ele se encontrava com as pernas abertas e esticadas, quase esparramado e com a cabeça tombada para trás, encostando-se à parede. Ela, ele, o tapete, aquele maldito rádio-relógio desregulado. Da janela se via os outros prédios, as pessoas felizes, em suas vitrines altas, exibindo sua vida. Os Johnson jantavam, os Silva já lavavam a louça e os Pires saíram para jantar.

Eram vinte uma e trinta e sete, hora de, claro, o maldito rádio-relógio ativar sua função de despertador. Já mudaram a programação mil vezes, mas nada funcionava. A voz mais aveludada da noite invadiu a sala. A mulher esfregou um dos olhos com as mãos, não acreditava nisso, já não era ruim o suficiente a falência, mas a única coisa que os restara era aquilo? Um maldito rádio que só funciona às vinte uma e trinta e sete?

Ele tombou a cabeça para o lado, olhando com desprezo o rádio relógio que herdara do pai, era velho e encardido. Não o pai, o rádio-relógio. Depois olhou a mulher do outro lado do tapete. Tão quieta. Tão deprimida. Não se lembrava de tê-la visto assim nunca. Com certeza ela não combinada com aquela postura deprimente, nem ele! E todo o esprito “morrer jovem”? Agiam com descaso, mas tudo ia tão bem... Bebedeira, amigos, empregos idiotas que os davam dinheiro apenas para um futuro ótimo apartamento e festas, muitas festas. Festas que davam, que penetravam, que recebiam. Claro, não eram tão lúcidos, mas estavam bem! Foi então comprar o apartamento...? Não sabia.

Ela, do outro lado do tapete, o viu a olhando, se olharam por alguns instantes, talvez alguns minutos, tempo suficiente para uma música brega horrível acabar. O locutor voltou, anunciando a próxima música. E era aquela. Aquela mesmo de quando se conheceram há anos. The Hives. Se olharam mais intensamente então, ele se levantou e caminhou até ela. A música havia acabado de começar. Ele estendeu a mão para que ela o acompanhasse, mas que besteira era aquela? Bom, na verdade nenhuma. Ela deixou que sua mão fosse até a dele e então se levantou. Ele a guiou até o centro da sala, balançava os braços e dava passos pra lá e pra cá, descompassado e tímido. Ela o seguiu assim. Ainda se olhavam, a música teve a pausa da guitarra. O que estavam se tornando? Endividados? Grande merda, a verdade é que... Quando é que começaram a ligar pra isso?

Começaram a se soltar, a guitarra já tinha voltado com a voz. Os passos ficaram ainda mais descompassados, as mãos se soltaram e balançavam em torno do corpo. Realmente soltos, se jogavam. As mãos dela se ergueram até o mais alto que conseguiam e balançavam descompassados enquanto ela pulava com os pés juntos e girando. Ele havia fechado as mãos e parecia imitar a bateria enquanto mal sabia o que fazia com os pés, talvez um dia aquilo se transformasse em algum tipo de dança moderna. A música teve sua queda mais uma vez, eles se viram jogados ao chão, girando e se contorcendo como doidos, talvez. Se levantaram de novo, um tentando imitar o outro na dança descompassada já ao final da música.

Então ela acabou. Pararam de dançar, ofegantes, e se olharam mais uma vez. De vagar se aproximaram e se abraçaram, como muitas vezes já fizeram. A luz estava apagada, aquela vitrine ninguém viu. 

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⏰ Última atualização: Nov 13, 2014 ⏰

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