Robert Louis Stevenson
EM certo dia do ano de mil setecentos e tantos, um velho marinheiro moreno, com uma cicatriz no rosto, bateu com o seu bordão ferrado à porta da estalagem Almirante Benbow.
Disse rudemente ao estalajadeiro, meu pai, que lhe trouxesse um copo de rum, pediu notícias da freguesia, mandou em seguida o empregado levar-lhe a bagagem e atirou sobre a mesa três ou quatro moedas de ouro. Durante os dias seguintes, o Capitão - assim queria o estranho hóspede que lhe chamassem - outra coisa não fez senão vagar ao longo do baía e sobre os rochedos, munido de um óculo. Ríspido, zangado, esbravejando ,o dia todo, não respondia ao que lhe perguntavam; mas, após algum tempo, me chamou à parte poro dizer-me que observasse todos os fregueses e o avisasse da chegada de um marinheiro perneta.
Nos tardes chuvosas, segurando uma grande garrafa de rum, contava horríveis histórias de naufrágios, enforcamentos e torturas. Eu, minha mãe, meu pai e uns poucos fregueses o escutávamos apavorados. Não tardou a tornar-se insuportável. Bebia, embriagava-se e obrigava-nos a escutá-lo e aplaudi-lo. Só urna vez teve de calar-se, diante do atitude do Dr. Livesey, nosso amigo, que resistiu impassível a uma ameaço de agressão por parte do terrível Capitão.
Pouco tempo depois desta cena com, o médico, aconteceu-me outra coisa estranha. Em certa manhã de janeiro me vi diante de um homem sem dois dedos da mão esquerda e com um facão no cinto, que me mandou trazerlhe. rum e começou a fazer-me perguntas a respeito de certo Bill, um marinheiro seu amigo.
As minhas respostas vagos, todas monossilábicas, retrucou que seu amigo Bill devia ser o próprio Capitão e, pegando-me de repente por um braço, perguntou-me onde estava ele nesse momento e a que hora voltaria. Ficamos a esperá-lo, ele e eu, na sala do estalagem durante cerca de meia hora. Afinal o Capitão regressou e, quando ouviu aquela estranha personagem chamá-lo pelo nome, exclamou furiosamente: Cão Negro! Os dois homens trocaram algumas palavras em voz alta e mandaram-me embora. Deixei-os sós, mas pouco depois ouvi um barulho de móveis caindo, um tinir de lâminas metálicas, um grito de dor, e vi o 0 Negro fugindo corno um doido, seguido do Capitão. Junto da porta, este desferiu um terrível golpe de facão, que não alcançou o alvo, e o Cão Negro embora ferido no ombro, ainda teve tempo de escapar. Terminado o combate, o Capitão mandou-me trazer-lhe rum, mas não pôde bebê-lo, porque, sem forças, caiu por terra.
0 Dr. Livesey, chamado incontinenti, examinou demoradamente o enfermo e, antes de o deixar, recomendou-lhe com grande encarecimento que não tomasse bebidas alcoólicas. As suas ordens não foram cumpridas. 0 Capitão tanto me suplicou que, compadecido, resolvi levar-lhe uma garrafa de rum. Esvaziou-a em dois tempos e, em vez de agradecer-me, perguntou-me se tornara a ver o Cão Negro e pediu-me que levasse pessoalmente ao Dr. Livesey o baú que estava no seu quarto, para que a mancha negra não pudesse reavê-lo.
A minha pergunto sobre o que significava mancha negra, o Capitão respondeu evasivamente e eu fiquei meio confuso. Nos dias que se sucederam, o Capitão andou pela estalagem, atemorizado e cambaleante de fraqueza, como uma cima penada. Não respondia às perguntas que lhe faziam e de vez em quando olhava em volta, desconfiado. Assim se passou uma semana. Por volta das três horas de uma tarde fria e nevoenta, um mendigo, cego, curvado pelos anos e coberto por um enorme capote, parou diante da tabuleta da hospedaria. Pediu em voz alta que lhe servissem de guia. Ofereci-lhe a mão: o misterioso velho apertou-a com força e, em voz terrível, ordenou-me que o levasse imediatamente à presença do Capitão. Acompanhei-o. Vendo o cego, o Capitão ficou assombrado e procurou fugir; mas o mendigo ordenou-lhe que ficasse quieto; pôs-lhe então na palma do mão qualquer coisa que não consegui ver o que era e saiu da sola com incrível agilidade.