Um pouco de mim

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   Há dezesseis anos, um garotinho moreno de olhos azuis nasceu em meio uma catástrofe. A pequena cidade do interior havia sido atacada por terroristas. O prefeito e a primeira dama morreram e deixaram para trás um pequeno bebê. Pois é, esse garotinho sou eu.

   Não se tem muita informação sobre o dia do meu nascimento, as pessoas parecem ter medo de falar sobre isso. Uns dizem que foi a mando do demônio, outras dizem que foi simplesmente um ato terrorista. Eu acredito mais na segunda opção. Mesmo que coisas estranhas aconteçam comigo e eu vejo coisas que ninguém vê, não acredito que tenha sido um demônio.

   Bom, vou começar do início, desde que me entendo por gente, moro com meu tio, Afonso, um velho tarado que só pensa em mulheres e peitos, mas não posso negar que ele, de certa forma, é uma boa pessoa e que se preocupa com os outros a sua volta.

   Estudo desde pequeno na mesma escola, e pela cidade ser pequena, coisa que eu acho irritante, conheço todos ou praticamente todos que moram nessa cidade, e todos me conhecem. Mas não só me conhecem pelo fato da cidade ser pequena, eles me conhecem porque sou filho do falecido prefeito vítima do ataque terrorista, mas infelizmente, não é só por isso. Sou também um garoto que vê o outro lado do mundo, o lado que as pessoas não enxergam. Sou aquilo que as pessoas chamam de aberração porque posso ouvir, ver e falar com os mortos. Mas não são todos, só os que estão presos a esse mundo por algum motivo.

   Sim, eu poderia simplesmente ter escondido isso de todo mundo. Mas uma criança de 4, 5 anos ainda não sabe ao certo sobre essas coisas e eu conversava constantemente com pessoas que já bateram as botas. Comecei minha infância sendo o excluído, os pais das outras crianças as proibiam de sequer olhar em minha direção, porque é claro, seguindo eles eu poderia fazer com que demônios possuíssem o corpo dos filhos deles, pois isso é muito sensato.

    Mas teve uma família que não acreditava nessa coisa toda, o filho dessa família era o único que conversava comigo, consequentemente as outras crianças começaram a se afastar dele também, então ele raramente falava comigo na frente dos outros, geralmente nos encontrávamos no laguinho depois da aula, lá ninguém nos via. Em parte isso me incomodava, mas eu estava feliz por ele falar comigo. Matheus era meu único amigo, e os pais dele não o repreendiam por isso. Hoje em dia ele não liga mais para isso e fala comigo normalmente. Descobri que ele e a mãe dele são capazes de ver o que eu vejo, mas nada além disso. Por isso Matheus não ganhou a fama que eu ganhei.

   O meu tio fingia que nada acontecia e que tudo era extremamente normal. Me ignorava quando eu tentava falar sobre esse tipo de assunto e já até tentou me convencer que ver mortos era normal. Óbvio que essa não colou.

    Hoje em dia as pessoas não pegam tanto no meu pé. Por conta dos trabalhos escolares, os outros alunos eram obrigados a formar grupos comigo e foram meio que sendo obrigados a se acostumarem com o fato de que eu existo. Eles não gostam muito de mim e me ignoram, mas não é mais como antigamente, quando eu tinha uns 7 anos, eu apanhava diariamente das outras crianças porque conversava com uma "cadeira vazia".

    Estou a caminho da escola, ao meu lado vem "andando" Tayla, ela morreu faz uns dois anos, mas sempre foi muito materialista e não aceita o fato de não conseguir arranjar um emprego. Já tentei falar que mortos não trabalham, mas ela quer porque quer trabalhar para poder comprar um novo celular. Vai entender... Dois anos vagando por aí e ainda não entendeu as condições em que se encontra.

    -Pedro! _ Essa é a voz do Matheus, olhei em volta tentando acha-lo. Mas era tanta gente na entrada do colégio que estava quase impossível. _Poxa Pedro, não havíamos combinado de se encontrar na frente do grande relógio? _ Ele falou aparecendo por trás de mim, de onde ele veio?_ Oi Tayla.

The cursed childOnde histórias criam vida. Descubra agora