Um copo de conhaque

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Encarei a lareira vazia e melancólica. Os últimos trocados destinos para a compra de lenha havia acabo naquela manhã. A casa parecida um defunto com o ar gélido e as paredes pálidas, sem vida. A sala/quarto/cozinha era iluminada somente por uma gasta lâmpada de luz branca que piscava de vez em quando. Era abominável, mas pertencia a mim. Cada metro quadrado existia somente a minha espera. E, se não fosse pela temperatura bruta, pelos móveis empoeirados e pelas paredes mofadas, quase seria possível chamar aquilo de 'lar'.

Segurei aquele fio com pequenas lâmpadas coloridas – ou melhor; Pisca Pisca. Era dia vinte e quatro de dezembro e parecia que a magia afável do natal havia se esquecido de mim. Para que preencher essas paredes cadavéricas com decorações alegres e cromatizadas se não haveria ninguém para apreciar? Claro, poderia eu me sentar no sofá envelhecido junto com meus festões adornando a lareira, meias decoradas em barbantes pendurados pela casa, luzes brilhantes envolvendo as janelas. Poderia muito bem ter esse feito caso ele não me lembrasse veemente de minha irremediável solidão. Seria como se a casa zombasse que minha única companhia era o chiado da ventania pois até mesmo a videocassete – a única coisa que tinha sido minha camarada nos anos que se seguiam – estava se negando a me alegrar. O resultado de tal situação era o silêncio absoluto. Havia, sim, o zumbido da geladeira e o balançar da vidraça, porém estes só deixavam o clima mais melancólico.

Você, meu leitor, deve estar chegando a precipitada conclusão que em meio a essa atmosfera de angústia eu teria mágoa de algum feito meu no passado que teria me levado a tais condições... Há! Não me arrependo de uma sequer palavra dita ou ato feito. Isto não é nenhum Charles Dickens e, portanto, não sou nenhum Ebenezer Scrooge e se o fosse não teria a cara de pau do velhote de se lamentar nos quarenta e cinco do segundo tempo. Encaro tudo que fiz no passado como necessário e mesmo morando em um beco desagradável que fede a peixe defumado, agradeço esse pedacinho de miséria que é somente meu e que conquistei com ardor, se não fosse pelo Eu do Passado talvez nem estaria vivo, sequer infeliz. Sim, a infelicidade é consequência da vida, quem está embaixo da terra não possui tristezas, pois já eu possuo uma cesta de desgraças e azares a qual me orgulho.

Oh não, nenhum fantasma carregando o tintilar de correntes me visitará à meia noite. Nenhum ressentimento me afetará na madrugada. Será somente eu e o calor dos goles de conhaque. E caso espera uma lição de moral natalina pode deixar eu e meus escritos sozinhos! Passar essa tinta fresca no papel amarelado é a única coisa que ainda me trás a animação da vida e não deixarei nenhum moralista tirar o frescor de minha tristeza. Esta noite não haverá final feliz. Como me agrada a liberdade que escrever proporciona! As palavras escritas não possuem os preconceitos que as ditas carregam. Posso riscá-las, apagá-las e nunca ninguém sequer saberá que existiram, agora quando colocadas em voz alta até as coisas mais irreais se tornam reais! Oh, que pavor! Que desgraça seria se as pusesse em minha garganta e proferisse meus pensamentos! Sou uma pessoa sórdida demais para a sociedade e todas as palavras que digo carregam as algemas da verdade – por isso não as digo. Tal sociedade que é alimentada por mentiras e palavras delicadas que de nada valem. Para que dizer um alegre ''Bom dia'', se todos nos sabemos que levamos vidas deploráveis?! Essas tolices e modos aristocratas são inúteis e vazios de sentimentos, até aqui já devem ter percebido como repudio tudo aquilo que é trivial e superficial, portanto não suporto essas etiquetas. Na verdade, tenho nojo de tudo que tem a ver com a vida em comunidade.

Agora que já apresentei alguns traços relevantes de minha personalidade e pus algumas notas sobre como essa narrativa irá se desenvolver não há como você reclamar do final deste conto. Tudo que tinha relevância o entreguei de bandeja. Eu lhe avisei, leitor, lhe avisei... Posto tudo em ordem, irei continuar com o desenvolvimento:

Creio que descrevi de maneira equivocada minha humilde moradia. As paredes eram brancas e sem adornos, revelando parte intrínseca de mim, não via motivo para esconder as rachaduras com quadros ou enfeites. Além do mais, gosto de ver as coisas do modo como são, nada além disso. Uma parede, oras, é somente uma construção arquitetônica para manter uma casa em pé, não possuindo nenhuma outra intenção a não ser essa. Decorações são somente uma maneira que nós humanos achamos de ressignificar algo com nosso sentimentalismo exacerbado. Portanto as paredes brancas me enchiam de felicidade, pois eram transparente quanto ao seu significado.

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⏰ Last updated: Dec 18, 2019 ⏰

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Copo de ConhaqueWhere stories live. Discover now