Prólogo - Noiva por Tabela

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Eu estava indo em casa pela primeira vez desde que entrei na faculdade. Caminhava sozinha como costumava fazer. Dobrei a esquina da nossa rua e a apreensão de estar voltando me atingiu em forma de suspiro. Diminuí o passo e observei o portão da garagem escancarado.

Por impulso, me escondi na beirada do muro e espiei os carros do lado de dentro. Avistei minha mãe saindo de casa e indo em direção a um homem, o cumprimentando com um abraço. Os dois se sentaram em uma mesa de veraneio próximo à piscina, conversando e lendo papeladas.

Eu não devia estar bisbilhotando, mas às vezes não conseguia controlar a minha curiosidade.

— Você sabe o que estão fazendo? — uma voz masculina me assustou. Virei para ver quem era, pega em flagrante, mas fui impedida por uma mão em meu ombro, me forçando levemente a voltar para frente. — Por favor, não se vire. Vai ser melhor se você não me ver.

— É um casamento arranjado — decidi responder, enquanto olhava para baixo, observando sua sombra se estender no chão junto a minha.

— Você sabe por quê? — seu tom indicava que ele já sabia a resposta.

— Minha mãe tem uma dívida com aquele homem, e agora Kaila terá que casar com o filho dele.

Por um segundo, ele ficou quieto, mas podia ouvir sua respiração às minhas costas, indicando a sua presença ainda ali.

— E se fosse você que tivesse que se casar? Como se sentiria?

Dentro de mim o sentimento de frustração despertou por causa da sentença que eu deveria proferir.

— Eu devo obedecer a minha mãe. Apenas o faria sem questionar — recitei o meu dever com certa indiferença.

— Não perguntei o que você faria. Perguntei como se sentiria. — Suas afirmações eram incisivas como a lâmina de bisturi que eu usava para cortar sapos no laboratório.

E agora a inquietação crescia perante a verdade que eu queria dizer.

— Eu... — Pensei antes de concretizar as palavras, observando novamente mamãe distante e sorridente, desempenhando seu papel. — ...odiaria. Odeio seguir ordens estúpidas e sem sentido, que me fazem parecer fraca — expressei a indignação acumulada dentro de mim há muito tempo.

— Katherine, muitas pessoas vão te dizer que não pode, mas você deve correr atrás do que realmente deseja. — O conselho não foi o que mais me impressionou, e sim o fato de ele me chamar pelo nome, e me causar ao mesmo tempo estranheza e aprovação. — Vai ser difícil, eu não vou negar, mas prometo que será a coisa mais gratificante da sua vida, e depois de um tempo, você já nem precisará fazer esforço para ser feliz. Então, não deixe que ninguém te dê ordens estúpidas, sem sentido e que te façam parecer fraca, porque fraca você não é e nunca será... Você é forte e deve ter a confiança de que isso é verdade.

— E-eu... — gaguejei sem saber o que dizer. Nunca alguém tinha me direcionado palavras tão bonitas. — Muito obrigada, moço. — Sorri, e desejei que ele pudesse ver o meu sorriso, mas não me virei com medo de espantá-lo para longe. — Você é algum tipo de anjo?

Talvez eu tivesse exagerado, e foi o que eu concluí ao ouvir a risada charmosa soar no ar. Me concentrei naquele som, tentando fixá-lo na memória.

— Acho que se você soubesse quem eu sou, não diria que sou um anjo — a voz perdeu o tom de graça, como se estivesse prestes a se despedir.

— Eu vou te ver de novo? Como faço pra te reconhecer se não posso te ver agora? — indaguei ao perceber que não desejava o encerramento daquela conversa.

Não me importava que aparência ele tinha, só precisava ouvir sua voz e suas palavras a me aconselhar sobre felicidade e força.

— Eu vou estar sempre por perto, mesmo que você não possa me ver. Só se lembre que você é forte, e eu vou me alegrar e me orgulhar do seu sucesso.

 Só se lembre que você é forte, e eu vou me alegrar e me orgulhar do seu sucesso

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2 anos depois:

Ser uma Collard tem me deixado louca nos últimos tempos. Com isso, quero dizer desde sempre.

O que costumava ser um mar de rosas se tornou uma tempestade horripilante. Há alguns anos, quando meu pai morreu, a riqueza e o prestígio se esvaíram da nossa família, então nos vimos afundar em dívidas e empréstimos para manter o bom nome.

Ainda era criança, mas lembro de minha mãe ao assumir a empresa, contornando a situação e ascendendo nossa posição social outra vez. O dinheiro voltou feito chuva, os débitos foram quitados. Porém, uma cláusula das muitas ajudas recebidas não requeria devolução monetária. E sim de "união".

Recém saída do colegial, eu só esperava entrar a faculdade dos meus sonhos e seguir com a minha vida. Embora mamãe dissesse que não bancaria uma filha "cientista louca", manchando o sobrenome que ela desceu ao inferno para reerguer, não foi tão difícil convencê-la do contrário. Sair de casa ainda a enlouqueceu, mas ter liberdade para ser quem eu queria e me "livrar" da saia dela era necessário.

Aluguei um apartamento pequeno que cumpria bem a função de teto sobre minha cabeça. Arrumei um emprego de meio período em uma cafeteria, não pagava muito, mas era suficiente para suprir as despesas.

E lá estava eu, estudando Química na Universidade de Melbourne, melhor instituição do estado da Victoria e segunda melhor da Austrália. Além de não precisar pagar absolutamente nada, ainda me ofereceram bolsas de estudos para projetos de pesquisas interdisciplinares.

Estava percorrendo minha trajetória. Afinal, eu era forte, e alguém se alegraria pelo meu sucesso.

Uma semana atrás, eu me sentia feliz, morando sozinha, trabalhando no Grimoore Café e mantendo boas notas. Mas isso de repente mudou quando minha irmã mais velha, Kaila, fugiu com um loiro rico antes do próprio "casamento" que seria depois de amanhã.

A cerimônia tinha sido acertada há cerca de dois anos. Portanto, o único filho de uma família tradicional e rica agora era meu noivo e futuro marido.

Um futuro nem tão distante assim.

Ainda não caiu completamente a ficha de como e porque fui envolvida nessa história de um casamento sem amor com um cara desconhecido. Quando recebi a notícia da fuga repentina, percebi que tudo desandaria fácil e rápido.

Ela me vendeu!

Minha própria mãe me vendeu. Só consigo chegar a essa conclusão.

Passeia semana inteira pensando incessantemente que minha vida "acabou". E, mesmoestando commuita raiva, não consigo odiar Kaila. Elarealmente passou todos os anos docolégio e depois disso até aqui dentro de carros de luxo complayboys metidos, ignorando seu desempenho acadêmico e aumentando o seu egosocial. No entanto, até consigo entender os motivos para ela escapar, já que também quero sair do país,hoje mesmo!

[DEGUSTAÇÃO] Propriedades de um Amor (não convencional)Onde histórias criam vida. Descubra agora