Isso mesmo: uma Verde Manhã. Era assim que Ávirez se referia à luz do sol que se refletia nos vastos campos cultivados do planalto Aerat, uma colcha de remendos que continua variados tom de verde e que ondulava pelas colinas da terra até atingir a abrupta cadeira de montanhas que brotava como presas perto do horizonte. Ávirez é um jovem filho de camponês com cerca de vinte anos. Sua pele era clara, contrastando com o tom escuro de seus cabelos e seus olhos. Sua pele não tinha as costumeiras marcas de queimadura de sol muito comum em todos os trabalhadores dessa região. Isso porque ele não cultivava o campo. Mas era intimamente ligado ao campo e amava estar perto da natureza. Por isso, ele sempre parava para admirar a grande bola de luz amarela se levantando no céu, iluminando as folhas de clorofila, antes de seguir para a cidade.
Especialmente hoje, as cores da paisagem estavam muito mais intensas em razão da tempestade que caiu durante a noite. O que também acrescentou uma coberta de diamantes cintilantes sobre as verdes plantações.
— Isso sim é uma bela Verde Manhã — disse Ávirez, se deliciando com luzes que penetravam seus olhos.
Ao lado dele, também sentada na cerca que contorna a estrada, está sua irmã, Dana. Ela é apenas um pouco mais baixa do que seu irmão, apesar de ser quase dois anos mais nova. Sua pele é clara como a dele, mas seus olhos são verdes e suas madeixas castanho-claras alcançariam sua cintura se não estivessem sendo carregadas pelo vento.
— É, essa é uma bela manhã — ela comentou.
Ávirez sempre gostou da companhia de sua irmã. Apesar da diferença de idade, os dois faziam quase tudo juntos e sempre compartilhavam seus pensamentos. Ávirez confiaria sua vida a ela se fosse preciso, e sabia que ela confiaria a vida dela a ele.
Os dois ainda possuíam mais uma irmã, Carina, a gêmea de Dana, que é a cara da irmã, exceto pela cor dos olhos, que são azuis, e dos cabelos, que são loiros. Mas Carina está ocupada em outros assuntos na casa e não pode acompanhar os irmãos na observação matinal
— E essa manhã só ficaria melhor se pudéssemos ver dragões voando sobre ela — comentou Dana.
Ávirez apreciava a imaginação de sua irmã, mesmo que, às vezes, em raras vezes, o irritasse um pouco. Ela adorava as histórias antigas sobre criaturas mágicas e fantásticas e já leu vários livros de lendas na biblioteca da curandeira do vilarejo — um luxo que só ela podia ter já que era a única dos irmãos que sabia ler bem, embora Carina também lesse um pouco. Também vivia atrás de qualquer visitante estrangeiro que exibisse o mínimo sinal de ser um contador de histórias. Ávirez já perdeu as contas de quantas vezes ele chegaram muito tarde em casa porque ela queria ficar ouvindo, mesmo que isso significasse levar uma bronca dupla de seu pai e sua mãe. Ávirez também não se interessava muito por essas histórias e quase nunca prestava atenção. Mas, se elas deixavam sua irmã feliz, então ele ficava feliz. Exatamente como estão agora, olhando para a Verde Manhã.
E essa observação só termina quando o canto ondulante de um sabiá ressoa pelo campo aberto. Não dá pra saber se o pássaro está na mangueira ao lado ou no abacateiro ao longe. O som que deixa seu bico tem o dom de acordar ainda mais o amanhecer. Ele também lembra Ávirez que seu turno começaria em menos de meia-hora.
— Às vezes, eu queria poder ficar olhando esse horizonte por mais tempo — ele comentou.
— Seria emocionante descobrir que forçar teriam poder para criar algo assim tão belo — disse Dana.
A curiosidade de seu imã não conseguia ficar escondida por muito tempo. Ávirez não pensava como ele, ele não se importara em descobrir a origem de tudo, ele apenas gostava de admirar.
— Nos vemos à tarde — ele disse, antes e sair.
— É, nos vemos à tarde.
Do outro lado da estrada, a paisagem não era tão profunda. A cordilheira de montanha que cercava o planalto era bem mais próxima e sua sombras podiam ser vistas com muito mais detalhes. Olhando de dentro do Aerat, tanto essa quanto a cordilheira mais distante não pareciam ter grandes e míticas montanhas. mas, quando se olhava do lado de fora, de alguma as planícies que cercavam a região elevada, as cordilheiras formavam grandes quase intransponíveis. Carroças era incapazes de atravessá-las, e o mesmo podia ser aplicado às montarias. Um homem a pé poderia achar um atalho, mas isso exigiria as mais confiáveis cordas e um grande estoque de suprimentos já que, mesmo que não fossem cobertas por neve, nada crescia ou andava pelas montanhas. Um aventureiro bem-sucedido poderia chegar ao planalto em uma semana. Mas, dos poucos loucos que tentavam, apenas alguns conseguiram. E ainda perderam suas mentes, ficando o resto da vida descrevendo visões da senhora Aerat.
Avirez já ouviu diversas vezes essa história sendo cotada por Dana depois que ela a lera em um dos pergaminhos da curandeira.
Segundo o que ela dizia, Aerat era uma mulher que nasceu nos arredores das cordilheiras que cercam o planalto. Mas, naquela época, ninguém sabia que existia um planalto, todos acreditavam que as duas cordilheiras eram uma só e que toda a região era formada por montanhas. Os relatos de pessoas morrendo ao fazer a escalada só contribuíam para manter todos afastados delas. Foi nessa época que surgiu uma guerra entre os nove reinos. Ávires não saberia dizer o nome de todos, eles eram muito complicados, como Celaeno ou Astérope. Mas se você perguntasse à Dana, ela recitaria todos sem enroscar em nenhuma sílaba.
A guerra se arrastou por décadas à fio, dizimando e levando à rendição de cinco dos reinos. Os quatro restantes se encontraram em um embate final perto das cordilheiras. O vilarejo de Aerat foi pego nessa confusão e eles não teriam como fugir. Então ela decidiu que não poderia ficar parada e fez algo que todo o restante dos habitantes consideraria uma estupidez: ela foi até as montanhas. Aerat subiu até onde sua coragem e suas pernas permitiram. Do alto, ela podia ver os exércitos em marcha sobre as planícies e a destruição que assinalava o rastro deles. Então, ela olhou para os céus e começou a pedir:
— Por favor, dragão, abra-nos um caminho! Permita que eu proteja minha vila.
Ah, os dragões. Dana realmente amava os dragões. De todas as criaturas místicas, eles eram os mais poderosos, cercados com magia. E a lenda sempre diz que os dragões estariam tentos a ouvir o pedido de uma alma boa. E Aerat tinha uma alma boa.
— Seu pedido é grande, olhos de mel — disse uma voz retumbante como um trovão. Ela vinha de uma sombra que apareceu sobe Aerat.
— Mas não é maior do que o sofrimento do povo — ela disse, enquanto a criatura esmagava árvores e pousava sobre a lateral da montanha. — Eu daria qualquer coisa para salvá-los.
Suas asas quase cobriam o horizonte e sua cauda limpava tudo o que ousasse impedir seu balançar. As garras abriam sulcos no chão, penetrando pedra como se fosse areia macia, e sua grande boca poderia engolir um boi inteiro sem que ele precisasse mastigar. Seus olhos analisavam Aerat, emitindo um brilho ao mesmo tempo assustador e acalentador.
— Você realmente daria qualquer coisa? — ele perguntou, fazendo o chão tremer.
— Sim.
Então, o dragão levantou voo até se distanciar da cordilheira e, olhando para a face das grandes montanhas, soprou fogo contra elas, um clarão que teria sido capaz de competir com o Sol. Quando terminou, algumas das montanhas tinham desparecido, criando um caminho para através das cordilheiras que passaram a ser duas. Em seguida, o grande dragão se deitou ao lado da passagem para ficar de guarda.
— Está pronto, olhos de mel — ele disse. — Pode chamar as pessoas.
Depois de algumas horas, milhares de pessoas se juntaram na entrada da passagem recém-criada, onde o dragão continuava vigilante. Todas as pessoas pareciam ter sido avisadas por uma mulher jovem, com longos cabelos negros e olhos cor de mel. Mas teria sido impossível que Aerat avisasse todas nesse curto período de tempo, principalmente porque pessoas de outras vilas estavam ali. Na verdade, depois desse dia, Aerat nunca mais foi vista. A lenda dizia que o dragão a transformou no espírito que guarda as cordilheiras, as Cordilheiras de Mel, impedindo que perigos ameacem seus habitantes. É comum ouvir dizer que ninguém entrará no planalto sem que Aerat tenha permitido, mesmo que use a passagem que cortam as montanhas.
Não é incomum ouvir relatos de pessoas que sofrem algum tipo de doença durante a travessia e são obrigadas a voltar à Teret, que fica na planície fora das cordilheiras, mas é bem mais próxima da da passagem do que Minard, que fica no planalto. E é para Minard que Ávirez está seguindo.
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Sonho de Uma Verde Manhã ou O Último Conto dos Dragões
FantasyOs três irmãos, Ávires, Dana e Carina, levavam suas vidas na tranquilidade do Planalto Aerat, mas tudo muda quando um velho aparece e lhes conta uma nova verdade: a magia e os dragões existem.