Perdição

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Chegou atrasado no emprego. Tirou o terno, olhou em seu relógio de pulso, quando a sua secretária veio lhe avisar:

— Bom dia doutor, ontem, quando estava saindo, telefonaram pra ti.

— Homem ou mulher? - Perguntou com uma leve arrogância na voz.

— Mulher.

— Deixou recado?

— Não. Disse que telefonava depois - Arregaçando as mangas, bufou:

— OK! OK!

Uns dez minutos depois, estava pondo em ordem uns papéis, quando o telefone toca novamente. A secretária atendeu e, em seguida, avisou, sem sair de seu mezanino:

— doutor Geraldo!

Largou os papéis e apanhou o telefone. Era uma voz feminina que, a princípio, não identificou. A pessoa perguntava:

— Não me conheces mais? - Geraldo, já impaciente, foi quase grosseiro:

— Quem fala? Estou ocupadíssimo e não posso perder tempo.

Há uma pausa e, finalmente, a voz responde:

— Sou eu, Paolla.

Geraldo quase cai para trás, duro.

Paolla era o seu amor jamais esquecido ou, melhor, a sua dor-de-cotovelo confessa e imortal, relegada, em tempos alhures, à própria sorte, ou, quem sabe, ao próprio azar. Que idade teria ela, no momento? Uns vinte e cinco anos, ou mais. Tinham-se apaixonado na adolescência. Por um motivo bobo, haviam brigado. E quando Geraldo, devorado pela nostalgia, quis voltar, ela já estava apaixonada por um outro, o Gouveia: - Sempre com o G na frente - Sussurrou Geraldo. 

Durante uns seis meses, Geraldo andou pensando, dia após dia, em meter uma bala na cabeça ou até mesmo pular, da saca de seu apartamento, do 8º andar. Porém, acabou renunciando ao suicídio, mas ficou-lhe, para sempre, o sofrimento mudo. Paolla casara-se com o Gouveia, deste casamento restaram-lhe dois filhos. E sempre que a via, acidentalmente, na rua, Geraldo precisava tomar um pileque dantesco. E, súbito, ela telefona, a inesquecível, a insubstituível Paolla! Ao impacto da surpresa, gagueja:

— Ah, como vai você?

— Bem. E você?

— Trabalhando.

E, então, Paolla diz-lhe:

— Preciso muito falar contigo.

— Comigo? E quando?

— Já.

— Pois não. Estou às tuas ordens. 

Combinaram o encontro, para daqui a vinte minutos, numa sorveteria da rua da Carioca. Geraldo largou o serviço, que estava atrasadíssimo, e correu para o elevador. Em dez minutos, estava no local. Encontrou-a mais linda, mais fresca do que nunca, vestida com um curto vestido vermelho, ombros a mostra, que realçava sua pele branca e macia. Diante da mulher que nunca deixara de amar, não se conteve. Com o coração disparando, começou:

— Sou todo teu. Nunca deixei de te amar - Confessa Geraldo.

Tomando refresco, com canudinho, aparentemente sem se importar muito com as declarações de Geraldo, Paolla vai falando...:

— Eu preciso de um favor teu. Mas quero que prometas que não pensarás mal de mim.

O espanto do rapaz foi uma coisa sincera e profunda:

— Você acha que eu posso fazer má ideia de ti? Oooh, Paolla!

Então, sem desfitá-lo, ela responde:

— Meu marido partiu hoje, ao meio-dia, para São Paulo. De hoje para amanhã, eu sou uma espécie de solteira ou, então, de viúva. De qualquer maneira, uma mulher livre. Pensei em você, que merece toda a minha confiança e... Está compreendendo?

Numa confusão total, tremendo as pernas, respondeu:

— Mais ou menos.

E ela:

— Para falar português claro: estou oferecendo a minha tarde. Vamos para um lugar mais confortável!

Deslumbrado, Geraldo exclama:

— Oh, Paolla! - Neste momento Geraldo sente um calafrio que subia pela espinha, de baixo para cima.

Ele chama o garçom. Paga, trêmulo, a conta. Saem e, lá fora, Paolla observa:

— Mas não devo me expor. Arranja um local discreto, ok?

Acontece que Geraldo mantinha, de sociedade com um amigo, um apartamento em Botafogo. Cheio de escrúpulos, baixa a voz:

— Eu tenho um lugar, assim, assim, discretíssimo - Paolla o interrompe:

— Ótimo!

Arranjam um táxi, que, às pressas, ia passando. A caminho de Botafogo, a ela começa:

— Você, naturalmente, está espantado e querendo uma explicação.

Protesta, veemente:

— Explicação nenhuma! Basta o fato em si! Você está aqui, comigo, a meu lado, e não interessam os motivos, argumentos, nada! - Quando entraram, uns quinze minutos depois, no apartamento, Geraldo não sabia o que dizer. 

Ainda uma vez, Paolla toma a iniciativa:

— Você não me beija?

Ofereceu-lhe os lábios. Geraldo experimentou uma espécie de vertigem. O primeiro beijo, depois de tanto tempo, foi uma dessas coisas que marcam para sempre. Em seguida, ele a carrega no colo, como uma noiva de fita de cinema. Uma hora e pouco depois, já a noite entrara no apartamento e Paolla estava diante do espelho, refazendo a pintura, tocando o rosto.

Geraldo veio, por trás, beija-lhe os ombros nus e suspira:

— Eu não sabia que gostavas tanto de mim!

Paolla vira-se, com divertida surpresa:

— Mas eu não gosto de ti. - Disse ela com um tom sarcástico.

Surpreso, Geraldo pergunta:

— E isso que aconteceu entre nós? Não conta?

Ela está de pé, se volta para Geraldo e responde:

— Era a explicação que eu queria te dar e que tu recusaste. O meu marido, ontem, discutiu comigo e me deu um soco. Estou aqui por causa da agressão. Mas amo o meu marido e só meu marido.

Ele insiste, desesperado:

— Quer dizer que não vamos continuar?

Responde:

— Depende. Se meu marido me bater outra vez, já sabe, eu telefono pra ti.

Sem uma palavra, na maior humilhação de sua vida, deixou-a partir.

Mas quando a porta fechou-se atrás da pequena, ele caiu, de joelhos, no meio do quarto, mergulhou o rosto nas mãos e soluçou como uma criança.

Durante uma semana, ele foi o ser mais humilhado e mais ofendido da Terra. Dizia de si para si: 

— "Ah cínica! Ah cretina!" - E pior é que era incapaz de sentir atração por qualquer outra mulher. Uns quinze dias depois, ele atende o telefone. Era ela. Perguntava, alegremente:

— Vamos lá, outra vez?

Foram. E, no apartamento, ela suspira:

— Imagina, deu-me outra porrada.

Encontraram-se outras vezes, sempre em função de novas agressões. Até que, uma tarde, entre um beijo e outro, ela exclama:

— Os homens são muito burros! - Esboçando um leve sorriso.

— Por quê? - Pergunta Geraldo, com um espanto nos olhos.

E Paolla:

— Tu não percebeste que não houve soco nenhum? Que meu marido não me bateu nunca? É que eu te amo, te amo e te amo?

Perdição - O contoWhere stories live. Discover now