Parte 1 - O início de tudo

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Era madrugada quando fomos chamados para atender um alerta urgente vindo do Centro de Detenção Provisória. As informações não eram muito precisas, mas parecia que havia acontecido algo grave e de enormes proporções de novo naquele lugar, uma vez que foi emitido um pedido de reforços para lá. Alguns batalhões especializados nesse tipo de missão foram convocados. Dentre as forças policiais, militares e o exército brasileiro até, estava a tropa de choque a qual eu fazia parte.

Conhecida como a "boca do diabo", a Prisão da cidade vizinha fazia jus ao nome. Era de fato um verdadeiro inferno. Tinha a capacidade de aproximadamente 1000 presos, porém tendo o limite da sua capacidade populacional ultrapassada há uns 2 anos e meio, tendo agora mais que o dobro de prisioneiros que inicialmente. Em torno de 2400 a 2500 mais ou menos.

A falta de verbas para investir na manutenção e contratar novos agentes, somadas a uma infraestrutura com condições precárias já há muito tempo, fazia com que a prisão se tornasse uma bomba relógio, susceptível a ocorrer intensas rebeliões, cada vez mais difíceis de conter. Senti isso na pele, quando fui chamado para compor as forças que conteve, com enormes dificuldades, a rebelião que havia estourado há duas semanas atrás. As memórias daquele dia horrível eram rebobinadas repetidas vezes em nossas cabeças, numa contínua perturbação que levaria muito tempo para acabar. Eu e meus colegas temíamos o que estava nos esperando naquele inferno novamente. Estávamos muito surpresos com o curtíssimo intervalo de tempo da ocorrência entre uma rebelião e outra, e isso nos levava em ter a certeza que deveríamos redobrar nossos esforços para resolver o problema desta vez. Tanto que fomos informados que iriamos compor, como antes já estávamos suspeitando, uma tropa ainda maior desta vez, cerca do dobro em relação a primeira, composta por vários policiais vindos de vários quarteis de cidades próximas.

Este primeiro incidente quase alcançaria a casa dos mil, em número de mortos, se não tivéssemos agido de forma precisa e sistemática em nossa operação. Com isso conseguimos diminuir a quantia final em uns cento e pouco corpos queimados e esquartejados. Mas de qualquer forma, a barbárie havia se tornado manchete nos principais jornais do país, chocando a todos como na época do Carandirú e das rebeliões de Manaus. A principal causa que levou ao estouro esta última rebelião, foi um conjunto de atritos que já ocorria a muito tempo entre as facções rivais que constituíam boa parte da população dos presos. Há a estimativa de que na Boca do diabo havia em torno de 5 a 6 facções, sendo 3 delas as mais poderosas e temidas do país. E lá dentro o negócio funciona assim: Basta um motivo besta, um vacilo descuidado, para você perder sua cabeça...Literalmente. É... Não era atoa que eu disse que aquela porra é uma bomba relógio... Uma bomba relógio que em menos de um mês teve sua segunda explosão.

Era em torno de 0h35 da manhã quando chegamos ao portões da prisão, que estava estranhamente silenciosa e totalmente escura. Não era a situação que eu e outros homens estávamos esperando, pois o cenário que imaginamos encarar era de uma prisão tomada pelo fogo alimentado pelos colchões e alguns corpos de inimigos e indesejáveis dos membros das facções dominantes; barricadas bloqueando as entradas que conduziam aos pavilhões; grupos de prisioneiros reunidos nas coberturas dos prédios do complexo, estirando nas paredes as bandeiras improvisadas com as inscrições dos nomes das facções; fora todo o tipo de intimidações e hostilidades contra todos aqueles que ousarem entrar naquele inferno. Mas não.... Nada disso... Nada de fogo, nada de barulho, nenhuma bandeira... E durante a nossa aproximação a Boca do Diabo, por incrível que pareça... Nenhum sinal de vida... O que víamos era apenas uma construção fortificada, em meio as sombras da madruga e da densa névoa que chegou a atrapalhar e atrasar um pouco a nossa viagem. A prisão parecia um local abandonado, uma ruína esquecida.

A entrada principal estava aberta. A luz das lanternas mostraram um cenário caótico, com papeis e objetos empurrados e jogados pelo chão. Creio que com o inicio do incidente, boa parte dos agentes que estavam na entrada e nas demais áreas administrativas correram para os setores intermediários e internos do complexo. Mesmo assim, decidimos vasculhar todo o setor externo, queríamos encontrar algum agente, para nos informar o que aconteceu, não faria sentido invadirmos os pavilhões sem ter a certeza do que iriamos enfrentar.

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