00. Prólogo

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00. Prólogo — Trademarks of Homosexuality

É verão de 1992 em Derry e o calor infernal da cidade faz o novo gesso no seu braço esquerdo coçar quatro vezes mais, e pensar sobre a inutilidade que o envolve parece agravar o quadro a cada vez que sua mãe repete os dizeres "É para o seu bem, Eddie ursinho". E sinceramente? Acho ela uma vadia.

Você não apareceu no encontro dos losers na sede do clube hoje de manhã, e tenho certeza que acabou tendo uma discussão com sua mãezinha sobre ser engessado bem no fim das férias de verão, o que desfez todos os nossos planos para aproveitar as férias de verão antes que o inferno que é o colégio de Derry começasse de novo. 

De qualquer maneira, essa mulher sabe bem como ser uma vaca, e eu sei bem que, enquanto você caminha até o próprio quarto depois de chegar do hospital, está pensando em como vai ser infernal ter de tomar banhos com o braço fora da banheira ou ver os seus amigos pulando do alto da pedreira enquanto você apenas molha os pés na margem, fingindo não se importar com as injustiças da vida ou com aquelas infecções intestino-estomacais causadas pelas bactérias da água — mesmo que, à essa altura, você nem saiba se essas merdas realmente existem, mas decide pensar sobre isso quando nos encontrarmos lá mais tarde.

O que você não esperava é que enquanto ameaça subir as escadas, sua mãe está seguindo seus passos de maneira desconfiada esperando por algo que você soa frio só de pensar no seja. Vejo que está sem paciência e o seu gesso ainda coça, mas já desci da minha bicicleta e estou na sua varanda imaginando uma saída para essa situação. Ressuscitar as preocupações intrusivas da sua mãe como era há anos atrás definitivamente é a última coisa que você quer fazer — e olha que dessa vez nem tem um palhaço assassino querendo comer o nosso couro.

— Eu sei que já conversamos sobre eu pegar leve, querido, mas eu só quero o seu bem. — sua mãe diz, encostando o corpo no corrimão da escada enquanto abana inutilmente o rosto rechonchudo e suado com ambas as mãos.

Você permanece em silêncio e se atirar pela janela para fugir dessa situação pode valer a pena outro gesso no corpo — e dessa vez teria uma razão para você estar com essa porcaria —, mas ignorar a fala superficial dela parece ser a melhor saída, e você finalmente nota minha presença aqui fora enquanto se imagina atirando-se pela janela.

— Vai sarar rapidinho, não podemos arriscar como na última vez. — ela diz, se aproximando e esticando um dos braços sobre você para pegar um embrulho mal feito que estava escondido, entregando-o em suas mãos.

Consigo ver seu sorriso falso por saber que não se trata de um disco novinho dos Smiths ou do Bowie — coisa que você nunca chegou realmente a ganhar —, e desembalar um nó tão bem feito com só uma das mãos é uma tarefa irritantemente difícil, mas você não deixa que ela o ajude. Você já sabe que é um livro e sua expressão é tão ruim quanto o presente que recebeu, e você sempre foi péssimo em esconder as coisas, Eddie, péssimo.  

Você levanta o olhar para a grande janela da sala de estar e consegue me ver encarando o gesso em seu braço com ar de indignação, erguendo as sobrancelhas em resposta. Percebo seu pedido rápido de socorro que eu imagino que sua mãe não tenha notado, aproveitando o momento para me divertir com seu rostinho desesperado. 

Bato com os nós dos dedos no vidro e chamo a atenção de ambos para o lado de fora, salvando-o de deixar clara a sua insatisfação com o presente mixuruca que ganhou como se a porra do gesso que te deixa com as articulações de uma boneca Barbie não fosse o suficiente. 

— Eds, troca essa bermuda de mariquinha e vem comigo, já estamos indo para a pedreira! — eu gritei, com as mãos aos lados do rosto para garantir que vocês me escutaram.

E antes que você se virasse para subir as escadas, ela segurou seu outro braço e o impediu de continuar, e foi aí que me arrependi de ter a boca tão grande. Droga.

— Aonde pensa que vai? — ela disse, ríspida, e você não gostou nada daquilo. — Pedreira?

— Me solta! — você puxou o braço, me lançando um olhar de ódio. Ela não sabia sobre a pedreira, e eu não sabia que ela não sabia. Porra, Eddie!

Sua respiração ficou desregulada e ela já estava se aproximando da janela, cortando nosso contato visual. Eu hesitei, dando alguns passos para trás e sentindo que dessa vez ela até que tem uns bons motivos para não gostar de mim.

— Vá até o seu quarto, Edward. Vamos conversar. — ela disse, e as cortinas se fecharam. Eu fiquei parado, estático com a certeza de que agora você é quem quer comer o meu couro agora e definitivamente no sentido ruim da expressão.

Eu desci da varanda e observei a janela de seu quarto, onde você tinha os lábios apertados e uma feição irada estampada no rosto. Eu me diverti mais do que me preocupei com toda aquela situação, pensando em como você iria explicar toda aquela situação para nossos amigos quando nos encontrássemos de novo.

Eu só não estava esperando um sumiço repentino de cinco dias seguidos, Eddie.

E, agora, acho que preciso fazer alguma coisa.







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