Caçada

15 1 0
                                    

A tempestade se aproximava tão rapidamente que mesmo se eles estivessem voando na direção oposta, logo o aerobarco seria alcançado.

Era algo simplesmente incrível.

Um paredão de nuvens escuras com aproximadamente uns quinze quilômetros de altura. Iluminando por dentro, linhas brancas iam se ramificando por milhas antes de sumirem tão rapidamente quanto apareciam; deixando o ar carregado com estática e ensurdecedoras trovoadas. Características bem típicas de uma nuvem do tipo Cumulos Nimbus.

Naquele instante ninguém falava, mas um misto de alegria e fascínio estampavam os rostos de toda a tripulação do Thunderbird enquanto se preparavam para mais uma caçada. Já faziam semanas que voavam e não encontravam nada mais do que ventos fortes e suficientes apenas para impulsionar o grande balão preso acima deles. Foi quando o capitão já começava a considerar os pedidos de seus homens de voltarem para o aero-porto de Cloud City que Carl, o surdo, gritou "Nimbus" e apontou para estibordo.

No princípio nem era algo nítido sem uma luneta, apenas pequenas nuvens cinzentas em contraste com a branquidão ofuscante da neve nas montanhas abaixo deles, porém Carl havia ganhado a estranha capacidade de prever o surgimento de tempestades depois de perder os tímpanos com um trovão, e assim, tão logo a ordem foi dada de seguirem para o norte que os céus foram escurecendo sobre eles como noite enquanto o sol se escondia por trás do Pico da Neblina, o ponto mais alto e mais remoto de todo o continente.

Com os lampiões no convés acesos, cada homem vestiu seu sobretudo e se prendeu em pelo menos quatro das dezenas de cordas amarradas no chão. Garantindo que não voassem para fora da embarcação com os fortes ventos no interior das nuvens. Infelizmente muitos homens já haviam desaparecido assim; exceto no Thunderbird, onde por exigência todos usavam quatro ao invés de duas cordas, o habitual em qualquer outro aerobarco de caça.

Já amarrados e com os óculos de proteção, checaram seus equipamentos e cordas pela última vez e aguardaram. Nenhuma outra ordem seria necessária a partir dali. Todos já sabiam o que fazer e por mais alta que fosse a voz do capitão, dificilmente ela seria ouvida diante das trovoadas e dos abafadores duplos de orelha.

Conforme se aproximavam sorrisos surgiam involuntariamente; a excitação era grande e agora não haveria mais volta. Era sem dúvidas uma das maiores super células já avistadas naquela região; até mesmo pelos olhos cinzentos daquele experiente caçador de tempestades que comandava o leme do Thunderbird.

Todos o conheciam apenas como Tim, pois não gostava de ser chamado de capitão nem mesmo pela sua tripulação, o que também não impedia que sempre se dirigissem a ele como "senhor".

E não por sua meia idade ou pelos fios grisalhos, mas sim pela grande admiração no homem considerado pioneiro neste tipo de caçada. Tantas experiências nesta área resultava numa calma incomum, mesmo sobre o efeito da adrenalina que agora corria pelo seu corpo.

Apontando a proa para abaixo do paredão de nuvens, Tim virou o leme para a direita e o aerobarco se inclinou descendo numa meia espiral, se colocando de costas para a tempestade e nivelando logo em seguida. A chuva e a turbulência atingiram à embarcação ao mesmo tempo, enquanto os fortes ventos arrastavam eles. Lutando contra os solavancos, cada homem se aproximou da amurada do convés até onde as cordas permitiam e armaram seus lançadores de arpões.

Assim como qualquer aerobarco era apenas uma adaptação bem engenhosa das embarcações das cidades costeiras, onde um grande balão simplesmente ocupava o lugar de mastros e velas; os lançadores de arpões também eram só um armamento comum, porém melhorado, usado na caça de grandes criaturas nos mares orientais. Lembrando uma balista, a estrutura em madeira era a mesma, talvez só um pouco mais pesada graças ao reforço de duas hastes ao invés de uma, que garantia mais resistência. Já as modificações reais ficavam por conta dos arpões; fabricados com metais mais leves, eles possuíam 4 dentes apontados para frente e não para trás, já que não serviam para se prender em alvos.

A massa escura passava agora por cima deles, diminuindo a visibilidade cada vez mais com a cortina de água densa que cercava o aerobarco. No leme, Tim agora só contava com os instintos para conseguir conduzir a embarcação. Para ele era como se o tempo transcorresse bem lentamente, como se cada segundo se tornasse um minuto inteiro conforme observava as gotas da chuva, iluminadas pelos relâmpagos acima, se movendo de acordo com o vento e mostrando a melhor direção a seguir.

Fechou os olhos por alguns segundos e buscou aquela sensação que seu corpo tanto ansiava nas últimas semanas. Ignorou todos os sons e a chuva escorrendo pela sua barba, se concentrando apenas no seus batimentos enquanto controlava a respiração. Protegido da tempestade pela capa impermeável, os pelos na sua nuca eriçaram e uma leve coceira subiu pelo seu braço esquerdo a partir da cicatriz no pulso. Estava ali. Podia sentir. E sabia que seria tão iminente que, quando virou o leme à bombordo, dessa vez foram todos os pelos do corpo se arrepiando.

Abriu os olhos bem a tempo de ver o ponto luminoso que surgia 50 metros acima à esquerda do aerobarco. Descia criando ramificações que lembravam uma grande raiz enquanto seu rastro de luz tortuoso ainda permanecia pelos céus escuros.

Um relâmpagos surgir tão próximo assim e continuar descendo ignorando embarcações até era algo bem comum, porém Tim pressentiu que esse seria diferente antes mesmo de ver a descarga se inclinando em direção da proa. Onde uma ave, esculpida em metal com suas asas abertas, atraía o raio com seu bico pontiagudo já tantas vezes fulminado.

No Norte não havia a crença em deuses como era tão comum nas outras nações, entretanto, uma lenda que ainda persistia entre a maioria dos nortenhos era sobre o Thunderbird, um imenso pássaro negro, maior do que um dirigível, capaz de causar as tempestades da área cinzenta com o bater das asas.

Cético como era, Tim dificilmente acreditaria em algo assim, mas o destino fez dele um dos poucos sortudos que já tinham avistado esse pássaro e sobrevivido. Tal façanha resultou numa visão que ainda o atormentava: um aerobarco se desmanchando e o pássaro negro iluminado pelos relâmpagos centenas de metros acima enquanto ele caía.

A luz intensa e o trovão que seguiram ao raio no pássaro de metal trouxeram ele de volta ao presente, onde seus homens comemoravam rapidamente no convés. Tim sempre pagava uma bebida para o primeiro que pegasse um raio com seu arpão, mas se fosse o raio que atingisse o Thunderbird antes, era ele que se comprometia a pagar uma rodada para todos da sua tripulação. Mais animados, cada um apontou seu lançador para fora da embarcação e disparou.

Oito arpões subiram, quatro de cada lado, e pelo menos cinco fisgaram. Enquanto os outros três ainda estavam caindo, Tim observou contente os cinco cabos retesando como se os arpões tivessem prendido em algo no meio das nuvens. Foi quando as descargas elétricas, azuis e brilhantes, desceram até o aerobarco e a caçada finalmente havia começado.

Os Caçadores de TempestadesOnde histórias criam vida. Descubra agora