meu corpo deveria ser meu templo. meu lar.
se meu corpo é minha casa, deixe-me fazer reformas. se minha carne é minhas paredes deixe-me pintá-la, deixe-me cortá-la e mudar as coisas de lugar.
se meu corpo é minha casa, deixe-me abrir as janelas e fechar as portas. Deixe-me limpar debaixo do carpete e plantar as flores no jardim, deixe-me colocar quadros e fotos.
se meu corpo é minha casa, deixe eu decorá-la da minha forma, pintando o teto e cortando as ervas daninhas e colocando cortinas nas janelas fechadas, deixe-me pôr tapetes e posicionar os móveis. se meu corpo é minhas casa, deixe-me fechar e cortar e criar e mudar.
se meu corpo é meu templo, tire os sapatos antes de entrar. feche os olhos e faça uma prece. peça permissão para tocar. não toque.
se meu corpo é meu templo, respeite-o. não faça barulho. não bata no assoalho, não zombe da pradaria. não entre sem ser convidado, você não tem esse direito. não faça comentários sobre a mobília, não diga o que você pensa sobre o telhado.
se meu corpo é minha casa, limpe os pés no tapete. sinta o cheiro do café recém passado e admire os móveis. não repare na bagunça no canto.
se meu corpo é minha casa, e eu não posso mudá-la. entre, sente-se. eu sou sua. sinta como se eu fosse a sua casa. sente no sofá e beba café e assista TV.
se meu corpo é minha casa, não ligue para as goteiras que caem quando chove e ninguém está vendo. se meu corpo é meu templo, pragueje e xingue os deuses. se minha carne é sua.
se meu corpo é minha casa, dê palpites. diga onde eu devo posicionar os móveis e duvide "você quer mesmo fechar essa janela? você vai se arrepender depois" se minha carne é meu lar, coloque grades nas janelas e tranque a porta, enrole o tapete e coloque-o num canto. mude o canal da TV e faça chá ao invés de café.
se meu corpo é minha casa, pinte os móveis e rasgue os livros. se meu corpo é minha casa, lide com os ratos e ponha veneno nas orquídeas ("eu prefiro rosas, você sabe, você não se importaria" diria tu) e deixe a grama crescer. se meu corpo é minha casa, grite com as paredes e quebre os pratos no chão, jogue os copos contra o solo e corte o piso. manche a madeira da mesa com vinho e molho de tomate e não me deixe limpar. deixe os insetos e roedores viverem no sótão.
se meu corpo é minha casa, demole-a. rasgue o papel de parede e deixe a tinta descascar. martele madeira contra os buracos.
se meu corpo é minha casa, e eu não posso controlá-lo. se meu corpo é minha casa, neste estado, não é meu lar.
meu corpo é minha prisão. e você, querido, é o carcereiro.
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se meu corpo
Poetryse meu corpo é minha casa, meu lar, permita-me fazer as reformas necessárias.