• Mamãe

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Zacatecas, 2015

"Era o que eu queria. Eu sonhava com isso no sentido literal da palavra. Foi meu único sonho durante meses... Começou a fazer sentido na minha cabeça.... e cada vez mais. E cada vez mais. E cada vez mais. Ainda assim no meio da noite eu me apavorava. Demorei muito para chegar nesse ponto... mais até do que gostaria. Isso tinha que ser feito, entende? Mas não era tão simples quanto começar a ler uma livro novo ou sei lá. Todas as noites antes de dormir eu pensava nisso. Tinha que ser feito.
Tiveram momentos em que eu achei que nunca conseguiria fazer isso e, tiveram momentos em que achei que faria isso em minutos... Mas depois daquela noite, de tudo aconteceu...  Sei que está me julgando e eu não me importo.
Meu celular tocou. Acordei assim que ouvi o despertador. Foi planejado. Abri meus olhos, e, por alguns minutos só consegui encarar a escuridão do teto de um quarto, no meio da noite. Sabe quando tem um milhão de coisas acontecendo na sua vida, e um milhão de coisas passando pela sua cabeça, mas ao mesmo tempo não tem absolutamente nada em que pensar? Fiquei um tempo assim, imóvel, preso na cama, pensando em absolutamente nada, enquanto um monte de coisa passava pela minha cabeça. Aquele era o momento que eu teria a sós comigo, sabe, antes do caos. Isso é importante, para ter sucesso, o momento sozinho com você mesmo antes de tudo começar. E eu também sabia que as coisas seriam diferentes depois disso. Fiquei ali ouvindo Hey Jude, dos Beatles, era a música que tocava. Achei apropriada pra ocasião... E também era gostosa de ouvir... Mas eu sabia que se continuasse ouvindo, talvez nunca tivesse saído da cama no meio da noite, então me estiquei rapidamente e desliguei o celular. Ele estava na cômoda bem ao lado da minha cama. Eram três e quarenta e sete da manhã. Eu me arrastei para fora da coberta e
fiquei um tempo, talvez dois minutos no máximo, olhando pela janela, vendo o movimento lá fora. Tudo estava graciosamente quieto. A única luz que trazia claridade pro ambiente era a da lua, que estava especialmente enorme e brilhante naquela noite, e atravessava a janela como se soubesse o que eu faria e estivesse muito curiosa para ver. Estou sendo muito narcisista? Não importa, não é?
Aquela madrugada estava sendo a mais fria da semana, e apesar do meu corpo todo ter se arrepiado e tremido um pouco com o frio, eu não cogitei voltar atrás da minha decisão. Ainda estava com um pouco de sono quando fui até a porta do quarto e espiei o corredor. Estava escuro e silencioso. Pensei "então tudo bem até aqui". Do lado de fora andei rápido e sorrateiramente até chegar nas escadas, nas quais eu desci em segundos sem fazer um único ruído.
Passei pela sala e fui direto até a cozinha. Minha visão não demorou muito para se adaptar ao escuro, foi por isso que quando liguei a luz meus olhos arderam. Caminhei até a gaveta da direita no armário, abri e peguei os fósforos. Ela escondeu o isqueiro de mim uma vez, quando me pegou fumando. Disse que não importava se ela fumava também, eu não poderia fazer o mesmo. Ela tentou esconder o cigarro, mas isso era mais fácil de achar.
Sei que parece que não faz sentido, mas eu precisava fazer isso enquanto fumava. A fumaça dos seus próprios cigarros seriam a cereja no bolo. Tornava tudo mais completo. Corri de volta para o andar de cima, passei pelo quarto do meu irmão e ele dormia com um anjinho. Deveria estar tendo bons sonhos aquela altura. Caminhei até o último quarto no final do corredor, o quarto dela. A porta estava fechada, eu abri com total delicadeza para não acordar quem dormia lá dentro. O lugar não estava totalmente escuro, havia algumas velas religiosas de cores e tamanhos diferentes em sua cômoda. As velas... eu tinha me esquecido das malditas velas.
Ali parecia estar tudo bem, então decidi voltar para o meu quarto. Abri a janela e acendi um cigarro. Fumei ele inteiro enquanto olhava lá fora e respirava o ar frio da noite. Troquei de roupa e esperei mais um pouco. É engraçado como tudo se torna diferente enquanto você tenta tomar uma decisão. Como tudo antes é de um jeito e como tudo depois daquilo se transforma. Tudo comparado aquilo deixa de ter... sentido. E nada volta a ser o que era antes.
Talvez você não esteja achando tudo tão divertido quanto eu, e numa altura dessas, deve estar se perguntando porque eu conto tantos detalhes... Veja bem, são os detalhes que fazem a diferença, e não me olhe assim, a história seria outra sem os detalhes. Eu gosto deles, faz a história parecer mais interessante. Sei que você quer que eu chegue logo nos finalmentes, então tudo bem, eu peguei debaixo da cama um objeto enrolado em um pano velho, essencial para meu ato de coragem. Eu havia polido horas atrás, de maneira que ficasse limpo e perfeito para ser usado. Me olhei no espelho uma última vez e me desejei sorte. Então, saí quarto. Claro que, dadas as circunstâncias atuais, você deve achar que sorte é o que eu menos vou ter daqui para frente. Mas está errada.
No corredor acendi outro cigarro. Entrei no quarto dela devagar, com calma. Segurando o isqueiro em uma mão, e meu presente embrulhando num pano velho qualquer, em outra. Vi todas aquelas... velas.... que ela acendia para Santos que não existiam, e que se existissem não se importariam com gente tão inútil quanto nós. Acho que não é engraçado para você, mas, para mim é. De qualquer forma as velas deixavam o ambiente mais claro, o que era bom por que eu queria ver o rosto dela. Até pensei em ligar a tv para ter mais claridade, mas o sono daquela mulher... tisc tisc, era leve. Essa era a única desvantagem que eu tinha e não poderia arriscar. Tive que prestigiar seu sono calmo, no meio das velas. E que sono, hãn? Eu andei em sua direção e vi como dormia tranquila. Fiquei em pé, do lado dela na cama e pude ver como era bonita dormindo. Eu a observei durante um momento, dormia feito uma princesa na cama de seu castelo. Seus cabelos faziam ondas delicadas no travesseiro e a sua respiração me deixou nervoso de tão calma. Me diz, não seria horrível acabar com a paz de uma mulher tão indefesa? Ela dormia de costas, o que era perfeito para a situação. Terminei meu cigarro e desembrulhei a faca prateada, pontiaguda e linda que eu segurava envolta daquele pano todo. O que aconteceu a seguir foi rápido. Rápido até para mim.
Eu cravei a faca nas costas dela, com força o suficiente pro cabo bater em sua pele depois da lâmina ter entrado toda. Ela deu um grito. Não muito longo, nem muito alto, mas com certeza bem forte para alguém que tinha acabado de ser esfaqueada enquanto dormia. Ela olhou para mim de canto de olho e não estava entendendo nada, estava em pânico. Tentou se sentar, ficou gemendo e tentando formular alguma frase, sabe como é. Foi difícil arrancar a faca de suas costas, já tinha muito sangue, e provavelmente só proporcionei mais dor a ela, mas uma vez que consegui remover, eu a deitei e novo, agora de barriga para cima, então veio o segundo golpe. Uma facada ainda mais forte em sua barriga e dessa vez ela gritou como eu nunca tinha ouvido antes. Confesso que me deixou assustado, o jeito como ela gritava e os olhos arregalados. Ela olhava para mim com o maior desespero que eu já vi em alguém. Isso me paralisou por um tempo. O medo me paralisou por um tempo, e isso me deixou irritado. Eu removi a faca da barriga dela e acertei seu peito. Bem no meio. E não parei mais. Golpeei inúmeras vezes até ela parar de chorar. Até sua expressão ficar vazia. Até ela não sentir mais nada. E de repente ela não se mexia mais, estava morta... e uma poça de sangue se formou em seu corpo, na cama, em mim. Tinha sangue em todo lugar. Ela morreu olhando para mim, o que é bizarro e muito provavelmente vai me assombrar pelo resto da vida... mas é bom saber que ela e eu não dividimos mais o mesmo lugar no mundo. Tínhamos um laço que nem mesmo o tempo, ou o lugar poderia desfazer, mesmo se eu quisesse muito. E vai por mim, eu quis. Sabe qual é a única coisa que consegue desfazer um laço sanguíneo, delegada... Muniz? A morte.
Você deve estar se perguntando porque eu me entreguei tão fácil. No momento em que eu decidi fazer tudo isso, eu já sabia que não conseguiria escapar, e o que precisava fazer em seguida. Por isso eu acendi mais um cigarro, liguei pra emergência e disse "Oi, mandem uma ambulância, acabei de matar minha mãe!"."

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⏰ Last updated: Jun 26, 2020 ⏰

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