A luz do sol penetra a fresta da janela do apartamento e incide sobre Hank. Ele acorda e pensa em amaldiçoar o astro-rei, porém Lee dorme angelicamente ao seu lado. Ele sorri e beija sua nuca de mansinho. Ela afunda a cabeça no travesseiro e cobre o rosto com o edredom. Hank então se levanta, vai ao banheiro e lava a própria face na pia.
— Hoje o dia começou bem, quem sabe termine bem...
Diz a si mesmo enquanto se incomoda com seus dentes amarelados pelo tabaco refletidos no espelho do lavabo.
— Gato, me dá uma carona hoje?
Ela pergunta do quarto com a voz sonolenta.
— Tô sem carro meu bem, mas chamo um táxi pra gente.
— Obrigadinha...
Ela responde de olhos fechados e volta ao sono. Hank checa o relógio e decide se barbear. Pensa em como levantar dinheiro para sua próxima empreitada. Precisa terminar o curso superior à distância, manter uma quantidade boa de capital para não se desesperar e procurar uma atividade para as horas vagas para não começar a beber logo de manhã.
— Lee... Acho que vou ao cinema hoje.
— Hum, só não comece a beber por que você sabe que a cerveja lá é mais cara, e quando você começa a ficar de fogo já acha que é rico.
— Verdade, quem sabe uma caminhada no parque e um pouco de meditação depois.
— Quem te viu quem te vê hein?! Acho ótimo, vá lá perder essa barriga de chopp.Ele a olha de soslaio e começa a escovar os dentes. Ela entra no box e liga o chuveiro. Hank termina a higiene bucal e pensa em preparar café. Notando o contrassenso, desiste da ideia e deixa a mulher a sós se banhando em paz. Uma hora depois, já está em seu escritório dando comida ao gato e escrevendo banalidades como uma forma de terapia.
— Porra Trotsky, eu jurei que ia parar de beber no meio da semana, mas entre morrer entediado dentro de quatro paredes ou enfrentar a vida com um pileque fico com a segunda opção. A monotonia me deixa ensandecido.
O animal o olha, troca de posição na almofada e volta a cochilar debaixo do ventilador de teto. Hank revisa o próprio texto, acha uma merda e mesmo assim publica-o na internet:
"Vejamos, se com Graham Greene a coisa fica metafísica, acredito que umas sete cervejas bem geladas ajudar-me-ão a passar o domingo de modo letárgico. Comida não me falta, ainda há vida, também. Fora os cigarros, de resto me arranjo..."
— É bichano, até que este trecho não ficou de todo ruim...
Comenta e sai para a rua deixando o notebook aberto. Chega de madrugada e percebe que o gato sapateou no teclado e, como se soubesse os comandos das teclas, apagou todo o trabalho que Hank havia escrito até então. Pensa em defenestrar o coitado, mas só o ato da escrita já dissocia o impulso recalcado da mente do autor.
A vida segue seu curso sem muitas intempéries. Hank medita sobre a nova onda da imprensa internacional cobrindo a nova investida dos E.U.A. contra o Irã. Cobrir este conflito e depois lançar uma reportagem em forma de livro lhe parece uma boa ideia. É preciso dinheiro e planejamento. Obviamente irá sozinho.
Continua com sua rotina diária. Em determinada tarde de domingo, divide uma garrafa de vinho com um mendigo na calçada de casa.
— Amigo ateu, você sabe que eu fui preso. Por isso gosto de ficar na rua. Na roça, quando eu trabalhava lá, acordávamos as três e meia da manhã. Todo dia.
— Foda hein Durval. Mas você é um cara bem tranquilo, parece que quase não tem preocupações.
— Tenho meus menino que mora aqui na cidade. Por isso não vou pra outro lugar. Não adianta se preocupa amigo ateu. Quando as coisa acontece elas acontece. Depois que nóis vê se é bom ou se é ruim.
— Acho que entendi, quer um cigarro?
— Aceito sim, mas guardo pra depois.
— Estou pensando em ir cobrir a guerra que se aproxima lá na fronteira do Iraque com o Irã... Você acha que é loucura Durval?
— É garoto, loucura é. Mas se quiser ir vai mesmo. Não fica esperando ninguém te dizer o que fazer não. Esse mundo já tá acabando.
— Que pena não?
— Pena nada. É bom. Já tava na hora.
A garrafa acaba e Hank volta para a casa. Durval continuará sua caminhada até o fim da noite. Hank chega ao quarto e dorme rapidamente. Tem sonhos intranquilos povoados de explosões, dor e morte.
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Dia qualquer
General FictionUm dia mais ou menos típico na vida de um cidadão mais ou menos comum.