Capítulo Único

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Hoje o dia amanheceu cinza, como todos os outros.
Já fazia um tempo que me encontrava nessa rotina sombria. Tinha vontade apenas de ficar na cama, pro resto da minha insuportável vida, mas apesar disto, eu sempre me levantava, colocava a já surrada máscara no rosto e saia pelo mundo com minha falsa alegria. Mas hoje não, hoje estava diferente, estava ainda mais cinza do que de costume.
A dor tinha me tomado, e eu não conseguia conter as malditas lágrimas que rolavam sem cessar deixando meu travesseiro completamente ensopado.
Eu estava cansada, muito cansada de toda essa dor incessante, por isso decidi confrontá-la, tentar expulsá-la de alguma forma, não custava tentar.

Levantei, calcei minhas sandálias pretas da cor da vida e sai do quarto descendo as escadas.
Estava tudo um completo escuro e eu não conseguia enxergar o que estava a minha frente.
Aquela longa escada me fazia sentir que estava indo para o meu mais profundo.
Então finalmente cheguei ao seu último degrau que dava para uma única porta cor de sangue.
Apenas ao tocar na maçaneta eu senti um completo vazio, era como se eu tivesse perdido todas as minhas emoções, como se eu não estivesse viva, apesar de estar respirando.
Abri a enorme porta á minha frente e entrei, sentindo minhas emoções voltarem num susto.
Eu estava num quarto. Suas paredes arranhadas como se o que estivesse ali quisesse sair, não tinha nenhuma iluminação, só o que tinha ali na solidão era você...

Dor.

Você, com sua caneca feita de pedaços meus na mão.

-Olá, dor, como está?- pergunto irônica

-Intensa, já consegui arrancar um bocado de lágrimas suas, não foi?- diz orgulhosa

Suspiro.

-E quando pretende ir embora?- indago sem nenhum ânimo.

- Eu moro aqui, você sabe, nunca irei sair.- diz dando ênfase no "nunca".

-Mas você não estava aqui antes.

-Claro que estava, eu sempre estive, só não estava forte ainda, não era alimentada, mas agora você me alimenta diariamente, por isso, cresci o suficiente para que se notasse a minha presença.- diz tomando um gole do que quer que fosse que estava dentro daquela caneca.

-E do que você se alimenta?- pergunto curiosa.

Ela sorri e olha pra caneca.

-Decepções, saudade, angústia, sonhos destruídos, metas não alcançadas, corações partidos, amizades desfeitas, entre outras coisas. Mas meu alimento preferido é a falta de amor próprio, porque é isso que faz vocês desistirem de si mesmos.- diz me fazendo pensar no quanto eu não amava a mim mesma.

-As vezes eu sinto um nó na garganta e um aperto no coração, é você?- pergunto tentando mudar um pouco o rumo da conversa.

-Sim, e esse é o menor dos meus sintomas. Eu também causo depressão, suicídio, acabo com relacionamentos, destruo sonhos, e o que mais o humano em que habito permitir.- diz cheia de si.- Você só precisa abrir a porta e me deixar sair, lágrimas não são o suficiente para mim, eu quero te destruir.

Não podia deixar isso acontecer, eu já estava cansada de tanta dor e sofrimento, precisava por um fim de uma vez.

-Não quero mais você aqui, quero que vá embora agora!- ordeno

Ela cai na gargalhada, uma gargalhada alta e estrondosa.

-Impossível, já consegui tomar posse da maior parte do coração, não adianta, não importa o que faça, eu nunca irei embora, porque sou parte de você.- diz me deixando sem esperanças.

Totalmente decepcionada, me virei para sair do quarto negro, mas antes de passar pela porta uma luz surgiu para mim, era uma idéia.

Olhei para a dor que tinha um sorriso de vitória no rosto e dessa vez quem sorriu fui eu.

-Posso não ter como te expulsar, mas posso te deixar passar fome, até você ser pequena o suficiente para eu não te notar novamente.- falo decidida.

-Você não vai, não faz a mínima ideia de como parar de me alimentar, você é fraca, você não vai conseguir.- diz tentando me afetar, mas tudo o que disse era o que eu já dizia a mim mesma diariamente.

- Vou começar acreditando que sou capaz e o resto eu vou conquistando com o tempo.

- Não!- ela grita- Eu sou mais forte que você, nada do que fizer vai me deter. Olha ao seu redor, está vendo? Isso é o que eu fiz com o seu coração, tornei ele negro e frágil, você nunca mais será como antes.

- Eu sei...- suspiro- não espero ser como antes, aliás eu aprendi contigo, você, querendo ou não, me ensinou a ser mais forte.

-O quê? Não é possível, eu estou sugando você, como posso estar te tornando mais forte?- ela se desespera.

-O que não me mata me torna mais forte, e você dor, por mais que tente, não vai conseguir me matar. Não dessa vez! Você quer me destruir, mas quem vai te destruir sou eu!- digo e a abro a porta saindo do quarto e trancando logo em seguida.

Ouço batidas, arranhões e gritos vindo de dentro do quarto, mas ignoro e começo a subir as escadas.

A cada passo que eu dava eu me sentia mais determinada, e a cada passo o caminho ia ficando um pouco menos escuro.
Até que ao chegar na porta já enxergava tudo branco, como se dezenas de luzes estivessem acesas.
Acho que aquilo era esperança, ao menos dessa a Dor não consegue se alimentar.

Me enchi de alegria por sentir que eu tinha dado uma nova chance a mim mesmo. Conseguia ouvir a Dor ainda gritar dentro de mim, pedindo pra sair, mas quanto mais eu buscava minha felicidade mais ela ia perdendo suas forças e cada vez menos ela ficava dentro de mim.

A cada saída com os amigos, a cada sorriso arrancado com memes idiotas na internet, a cada momento com a família, cada vez mais você ia diminuindo, querida dor, até que eu não notasse mais sua presença ali.
Mas eu sabia que você ainda estava ali, sabia que sempre estaria, mas não mais forte que eu.

Não forte o suficiente pra me destruir.

Querida DorOnde histórias criam vida. Descubra agora