Prólogo

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Victor

As grandes mudanças chegam sem anúncio nem preparo. Elas simplesmente acontecem, sem a decência de sequer perguntar se você está pronto, se você as aceita, se você tem forças para acomodá-las. Elas se insinuam sorrateiramente, pegando-o desprevenido, só, desatento, normalmente quando você já tem todo um plano desenhado, todo um caminho que está disposto e ansioso para percorrer. E então você se vê de frente a uma muralha.

Por algum motivo, me peguei pensando no dia em que conheci meu pai biológico. Eu tinha sete anos e o conhecia apenas pelas fotos de revistas e encartes de CDs. Quando minha mãe disse que aquele era o meu pai, eu confiei, com a fé cega das crianças que acreditam que o que as mães falam está no mesmo nível de verdade e sinceridade da palavra de um deus, por mais improvável que o desconhecido que a ajudou a me gerar e cujo nome sequer constava na minha certidão de nascimento pudesse ser o baterista tatuado de uma das minhas bandas favoritas, que posava para fotos com uma cara de mau que eu passava horas tentando imitar na frente do espelho. Minha convicção não se abalou nem mesmo com a minha insistência para conhecê-lo e as promessas da minha mãe de que ia falar com ele a meu respeito, mas que nunca resultavam da forma esperada, ou seja, em ele entrando pela porta e me dando um abraço. Porque, toda vez que a campainha tocava, eu achava que era ele, que íamos atender, ele apareceria e me abraçaria. Minha mãe dizia que não levou mais que umas semanas para cumprir a sua promessa, mas, na cabeça de uma criança, com certeza pareceram décadas.

Até que, um certo dia, ela perguntou se eu queria tomar um sorvete com o meu pai biológico.

Eu me lembraria para sempre de quando entrei na sorveteria de mãos dadas com ela e uma mochila nas costas, na qual reuni todos os itens da minha vida que achava que poderiam ser de interesse para ele. Brinquedos antigos, convites de festas de aniversário que ele perdeu, um móbile de berço, e até mesmo suas próprias fotos que eu havia recortado de revistas. Eu o vi antes que ele nos visse. Estava sentado a uma mesa e seus olhos foram imediatamente para a minha mãe. Depois, ele se virou para mim. Se levantou, mas estava sério e não dizia uma palavra. Eu o achei diferente das fotos. Era mais alto do que eu pensava e seus olhos eram azuis. E era um sonho que havia virado sólido, um ídolo que havia dado um passo para fora das revistas e agora estava na minha frente. E era meu pai.

Dei um passo em sua direção e usei as únicas palavras de inglês que conhecia:

-Hello, Tommy Lewknor. How are you?

Lembrei disso agora, mas do outro lado do túnel, no outro prato da balança. Não percebi no dia, mas me perguntava se meu pai havia ficado nervoso na sorveteria, se a mudança o teria deixado sem chão quando a minha mãe chegou para ele e disse que tinha um filho de sete anos que era seu. Se as palmas das suas mãos suaram, se sua saliva secou, se ele se sentiu sozinho, desamparado, exposto.

-Essa é a Roda da Fortuna – Minha mãe disse uma vez, em uma loja de produtos exotéricos. Minha mãe não era especialmente supersticiosa, não jogava tarô, mas estávamos fazendo hora para pegar um voo e ela foi atraída por um baralho na vitrine. – Ela marca o fim de um ciclo e o início de outro.

-E o que é essa caveira? – Perguntei, mais atraído pela imagem mórbida de uma carta próxima.

-É a Morte, mas não significa "morte", e sim uma grande mudança. E normalmente, para que ela aconteça, você precisa abrir mão de coisas muitas queridas.

"Como o nosso corpo e a nossa família", pensei, achando que compreendia completamente o seu significado.

-Quem te ensinou isso, mamãe? – Perguntei, sem conseguir desviar os olhos da Morte.

-A minha vida é marcada por essas duas cartas, amor. Descobri isso com dezenove anos, pouco tempo antes de você nascer. E nunca consegui me livrar delas.

Transformando Você [AMOSTRA]Onde histórias criam vida. Descubra agora