Normalmente levanto cedo e vou caminhar no Parque do Ibirapuera perto da minha casa antes de começar mais um louco dia na escola.
Minha mãe também acorda cedo, faz o café (o qual o meu pai ama. Um momento do qual gostaria de ver novamente) e fica sozinha lendo seu relatório. Estilizada, estava pronta para o trabalho as 5:30... Eu acordo as 6:00 e ainda porque tenho aquela força no fundo do meu espirito fitness.
Novamente, repito, não consigo me acostumar com minha mãe daquele jeito. De manhã ela fica séria, não me cumprimenta de forma legal e fica com um ar muito pensativo no rosto.
Se não é por Algodão Doce miar pedindo carinho, bebida, comida e caminhar comigo, a casa fica ao som do relógio da sala tique taqueando em tédio profundo.
De repente o som da campainha toca enquanto colocava a coleira no gato.
Fui atender a porta. O Kauê com a maior cara de bebê chorão.
-Ah! Nem vem.
-Nossa. Bom dia, Pinky. Estou bem e você?
-Vou passear com o gato, dá licença.-Eu sai da porta para fora e sai do portão que ele deixou aberto.
-Para com isso, menina é sério. Eu não queria dizer aquilo para você.
-Diria para quem então? Para a Natali?
-Não! Pinky! Por favor detesto quando você não me ouve. -Ele estava me alcançando.
-Prefiro Dj Alok, obrigada. Fechou o portão da minha casa? -Selecionei Vale Vale na playlist do celular. Fones via Bluetooth meu paraíso completo.
-PINKY! - Ele me segurou pelo ombro nas costas e eu parei. Um homem buzinou nervoso de seu Ford Ka. - Você esta louca por acaso?
-Não, estou de fones. Me deixa Kauê.
-Tsc. -Kauê pegou no meu braço como se eu fosse alguém que precisava de guia.
-Ah certo!- Me soltei na hora que o sinal ficou verde e passei correndo com o gato na coleira.
De longe eu ouvi o garoto gritar um palavrão e correr atrás de mim.
Minha sorte é que uma das entradas do parque era de frente para onde fazem eventos e lá normalmente tem muita gente...Só que era terça de manhã.
Ele me achou e fez cócegas na minha barriga.
-SAI RANÇO! -Eu disse rindo.
-Melhor. -Ele riu junto.- Chega, garota. Eu tentando me desculpar e você não ouve. São poucos os rapazes que tem paciência com esses tipos de seu humor.
-Como se eu quisesse saber disso agora. Já disse, quero trabalhar entendeu? Conseguir grana suada e minha para fazer um curso técnico ou faculdade. O rapaz que quiser me acompanhar sinta-se a vontade.- Recomeço a caminhar.
-Só porque tem cabelo rosa age como feminista agora. -Veio atrás, a praga da minha vida.
-É o que Kauê?
-Embora eu concordo com o grupo feminista sim e você sabe disso faz tempo. Credo, até parece que eu tenho de tomar cuidado com tudo o que eu falo perto de você.
-Eu gosto de te ameaçar. - Eu escondi o sorriso.
-Tonta. -Ele me deu um soco de leve no braço.
A manhã toda o garoto tentou me agradar com conversas aleatórias (até interessantes), fazendo carinho no algodão doce enquanto eu não estava perto enchendo mais a garrafa com água ou falando bobagem sobre o pessoal da sala (me cansando).
Voltei para a casa e ele infelizmente veio junto.
Como tirar um mané do nosso pé? Me diz? Tem solução em spay? Pago quanto me pedirem...Só quando começar a trabalhar😅.
Enfim, Kauê me esperou ficar pronta para a escola.
Minha mãe havia saído fazia tempo e eu precisava correr para não chegar atrasada ou o chato ficaria pior.
Com o meu cabelo amarrado em um rabo de cavalo de lado, estava pronta para enfrentar mais um dia. Ou isso. Algodão doce dormia no sofá da sala satisfeito.
Peguei um chá gelado sabor menta.
-Não vai comer nada?
-Sem fome.
-Pinky...
-Nossa como você esta chato hoje.-Peguei alguns biscoitos de leite e sai comendo. Preciso falar que ele veio junto? Falando bobagem. Divertido até.
Eu estava quase me dando bem com Kauê a caminho da escola e... Ele me trocou pelos rapazes da educação física.
-Oi amigaaa.
-Oi Natali. - Ela me abraçou forte.
-Miga, não te aguento de cabelo rosa, mas desculpe por ontem. É que seu antigo look era muito tbt não no bom sentido. E assim, Pinky, parece uma menininha.
-Eu sou menina.-Um nervo brincou na minha testa.
-Eu sei, 'miga. Mas, sei lá esta mais adolescente assim.
-Cadê o seu namorado? -Cortei mesmo.
-Falando com o time dele de handebol. Preciso respeitar o espaço dele. -Deixa eu ficar quieta que eu ganho mais.- Mas amiga...(lá vem fofoca) Tem cada bombadinho novo. Nem parece que tem 16 anos ou mais.
-Qual é o nome do seu namorado, mesmo?
-Ai, ô Pinky.Você acha que ele também não fica de olho nas novas meninas daqui? Só estamos aproveitando a adolescência.
Uma daquelas vezes onde os portões da escola abrem e eu só comemoro. Tem wi-fi dentro da escola,tem biblioteca, tem tudo para ficar um pouco mais afastada de pessoas sem assunto.
Enquanto os alunos populares fingiam não querer o café da manhã na merenda, eu peguei- sem vergonha alguma- um suco de caixinha sabor laranja e fui para as escadas.
Sentando em um degrau, abri meu caderno sagrado. Olhei bem aquelas folhas secas de imaginação.
"Será que a Clarisse Lispector passou por isso? Escrever é bem difícil. Tem gente que acha:
1- Usar drogas ajuda (fake);
2- Usar bebida ajuda (fake. Embora um mínimo de vinho estimula a corrente sanguínea no cérebro. Mínimo.);
3- Ser anti-social (válido);
4- Ser uma pessoa com habilidades especiais (tem muitos ""deficientes"" talentosos por aí no mundo artístico, mas não depende disso);
Na verdade, eu ainda não sei o que é ser uma escritora. Ou qual tipo de escritora eu seria?
Com certeza os escritores eram a raça mais tímida dos artistas.
Dançarinos parecem cisnes. Competitivos e habilidosos viviam se exibindo em cada movimento a qualquer hora conveniente.
Desenhistas, afe! Maioria das artes e lá estão os desenhistas, fazendo trabalhos incríveis, absurdos, tristes, enfim todas as emoções correm para as mãos calejadas de um desenhista ou mais.
Cantores de todas as vozes, instrumentos e estilos são outros que não podem faltar. Real. Somos movidos a musica todos os dias.
E professores? Ainda não vi grupo de professores pelo Instagram por exemplo, mas é bem interessante enfrentar pais estúpidos muitas vezes, aturar diretores sem escrúpulos, o governo que não quer nada com "pobres" e alunos cheios de neuroses adolescentes...Mesmo assim ter o prazer de ensinar. Acreditar que no futuro ao menos um ou dez desses alunos ou pais se motivam por sua causa nobre de ajudar a sociedade com a educação, formando todas as outras profissões. E é o artista menos reconhecido"
Caraca. Eu escrevi isso?
O sinal tocou e eu sai apressada para a sala não percebendo que eu deixei minhas notas cairem no chão. Alguém pisou nela, mas outra pessoa pegou a folha, leu e tenho certeza que sorriu com a gafe.
Na hora do intervalo uma multidão estava no pátio principal, conversando. Cheguei a pensar que a mania do "merendeiro" tinha chegado ao fim e as pessoas estavam comendo da forma que achavam melhor. Não.
O mural estava pronto com muitos posts do Gazeta Escolar. Desde matérias novas, alguns boas vindas a novos alunos (era Janeiro para fevereiro) e até colunas de trabalhos remunerados para adolescentes de 14 a 17 anos. No meio um post...MEU POST de escritora. Que vergonha.
Mas eu ouvi duas partes disso:
-Bem interessante esse post.
-Gente é muita coisa para ler tenho preguiça, real assim...
-Essa ou esse ai quer se comparar a Clarisse Lispector? Dá licença, viu.
-É bem reflexivo o texto. Só envolver politica que não tem nada haver.
-Eu acho que tem tudo haver. Essa pessoa sabe escrever bem. Será que ela tem contato? Faz tempo que não converso com gente desencanada.
Ui... Meu Santo Algodão doce! Deu vontade de gritar um "fui eu" enorme no pátio, mas eu tive medo de ser flagrada por aquele tal do jornalista do gazeta da escola. Seriam posts atrás de posts meus com memes ridículos me expondo.
Decidi tirar uma foto de todos os lugares e sites de empregos e do meu post.
No intervalo, me sentia bem.
Sentei sozinha na arquibancada enquanto bebia chá gelado, me pondo a escrever novamente.
"É muito libertador quando alguém te descobre.
Mesmo você não sendo famoso ou a pessoa não seja exatamente famosa. Mas ela te incentivou de certa forma.
Outras pessoas ficam curiosas para saber quem você é, se podem conversar, talvez até nos ajudar com novas ideias... Esse foi meu primeiro tabu a ser quebrado.
Um escritor antisocial saberia apenas da verdade que sua cabeça pode criar. O que pode ser bem egoísta em certas partes.
Porém ao tentar conviver com criticas construtivas ou não, saber transformar momentos ruins em aprendizado, isso sim faz um artista ser querido. E vocês? O que acjam escencial para o mais timido dos artistas? Introspecção, Simpatia ou um pouco dos dois?"
Terminei de escrever em uma folha sulfite a parte e antes de bater o sinal coloquei ele meio dobrado no corrimão da escada.
O sinal foi tocado, me fazendo correr para minha sala antes dos outros me verem lá. Me sentia uma daquelas fadinhas as quais deixam presentinhos nas casas de algum personagem de contos.
Não vi. Porém, tive a impressão de que o novo post também agradou o meu leitor/caça talentos secreto.
Na hora da saída, sabia que meu novo post não estaria no mural. Lógico. A cada dia posts novos viriam e se com sorte o meu estaria nem ali marcando presença.
-Pinky.
-Kauê. Natali. Natali?
-É 'miga, você some de repente no meio do baile. A gente te chamou o intervalo inteiro para perto e nem nos atendeu.
-Eu ia ligar para o seu celular.
Não sabia bem o que dizer. Realmente é possível eu ter algum pequeno problema de atenção social.
-Sentimos que o nosso grupo esta se afastando a cada dia mais.-Kauê veio mais para perto.
-Precisamos ficar um pouco juntos. Eu conversei com Júlio, podemos ir ao shopping. Ele não gosta muito do seu...temperamento Pinky. -Natalia fez uma cara de crise como se eu fosse explodir.
Reação neutra.
-Pinky...
-O que eu posso dizer? Vamos ao shopping agora ou ainda vamos para casa trocar uniforme?
-Vamos agora. -Kauê queria me pegar pelo braço e eu me afastei por reflexo.-Ainda bem.-Ele riu e a Natalia também. Eu sorri.
Estava com a sensação gostosa de ser notada por alguém. De ter uma chance em algum emprego quem sabe.
A conversa fiada dos colegas, parecia mais clara
1-Natali ama Dior, mas não tem mesada certa dos pais em seu cartão de crédito;
2- Kauê tinha uma queda por Kamila do primeiro A, mas ela não gostava de nerd do handebol. Ou era do esporte ou era do estudo para ela;
3- O jornalista fez sua primeira vítima nos corredores e foi a Fabi-sei lá das quantas- que bateu em outra garota por querer fazer fofoca da Claudia sua namorada atual.
Era bem fútil, tudo isso. Porém, que batatas fritas maravilhosas. Sequinhas, quantidade certa de sal e um toque de ketchup alemão.
Natali encontou-se com o namorado Júlio no shopping enciumado com o Kauê por perto. Tchau Natali. E logico mais dele para mim.
Ele ficou quieto, me olhando preocupado por todo o caminho de volta.
-Eu estou bem. Aposto que vocês querem me ver nervosa e por aí vai.
-Não. Não é bem assim. É que eu fico preocupado quando você fica quieta demais. E hoje no farol...-Putz, esqueci que o Kauê tem um trauma da tia dele ser atropelada na frente dele por falta de atenção.
-Kauê, tudo bem, desculpa. Eu estava muito nervosa para pensar em tudo isso antes. É só...Tudo esta acontecendo de forma bem diferente para mim. Você entende.
-Esse é o problema. Você acha que eu entendo, mas não fala direito.
-Porque eu não quero. Você e a Natali tem um jeito que eu nem sempre sei acompanhar. Não é fácil fingir demência e não querer nada da vida se não namorar, passar respostas para populares e tentar ser como eles em uma escolinha de colegial. Gente, eu gosto muito de vocês, porém não sei se vou ser bem vinda nesse clubinho pelo resto da minha vida escolar.
-Clubinho. Somos só nos três.
-Eu. Só eu. Ou você esquece que por conta da minha timidez é difícil me socializar?-Me deu vontade de chorar,porém segurei com todas as forças.-E vocês tem seus contatos, não vou interrompe-los e até acho melhor assim. Cada um contou o que viu no mundo um do outro como na oitava série. Eu só não quis participar disso.
-As vezes não sei se eu te bato ou se te abraço.
-A delegacia da mulher esta logo aí. Um grito meu e já era amigo.
Kauê me abraçou. Foi bem estranho. Joguei ele para frente.
-Te manca!
-Afe! Vai! Entra para sua casa.
-Nem vem mandar em mim e quem deixou uma cópia da chave com você? E por qual motivo, criatura?
-Sua mãe se preocupa com você. Ela confia em mim para ver se consigo te animar de novo.
Evitei demonstrar que fiquei chocada.
-E ainda diz que não sabe. -Sorri escondendo minhas emoções.
-Meu Deus! Não! Vai dormir, Pinky. Por hoje seu humor esta demais, chega.-Percebi dele uma frustação real.
Eu meio que ri, mas infelizmente uma lágrima caiu quando fechei o portão.
Minha mãe não chegara em casa. Tomei banho. Depois de me vestir, Algodão doce se envolveu em meus braços enquanto eu chorava deitada no sofá.
Pela amor. Tudo bem que a historia é voltada para o humor, porém nem o palhaço vive rindo. E foi importante chorar, sozinha com meu gato.
Recuperada liguei meu laptop e entrei nos sites recomendados. Conversei com meu pai via SKYPE já que ele vive no trabalho de arquitetura. Em seguida liguei para o mané...
-Alô, quem fala?
-Hã quem fala.
-Quem esta perseguindo agora, hein?
-Fica quieto, manézão.
-Nossa. Ok. Era para isso que me ligou?
-É.. Obrigada.- Me senti humilde.
Eu ouvi um silêncio do outro lado e premeditada uma zoação eu ia desligar, mas ouvi um sincero:
-Eu e a sua mãe queremos você bem.
-Sim. -Disse olhando para os meus pés de pantufa.
-Sou seu irmão por parte de pai.
-Chega.
-Tudo bem. Foi o primeiro passo, Pinky. Amanhã vamos caminhar de novo?
-Se você não vir com esse de pegar meu braço.
-Certo. Não vou.-Parecia que eu vi o sorriso dele do outro lado da linha.
-Tchau.-Disse com sensação de breve alivio.
-Tchau.
Desliguei. Voltei a deitar e dormir no sofá sem escovar os dentes sem querer. Algodão doce consolador estava quentinho e macio ao meu lado.
Dormi sem preocupação alguma.
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As mais tímidas das artistas_Pinky
HumorOi...Eu sou Pinky. Acho que é só isso. Não olha, é que eu nunca descrevi uma história só minha...Nunca escrevi para outros lerem só, para mim...E o meu Gato Algodão doce. Eu sou aspirante a escritora, portanto não precisa dizer que minha história é...