dois.

76 6 1
                                    


Minha cabeça latejava e o meu corpo doía de uma forma densa e pesada, mal conseguia me manter concentrado na aula de anatomia humana. E, para completar tudo, o cheiro de formol me dava uma dor de cabeça terrível que me deixava extremamente nervoso. Passou-se exatamente três dias desde que eu tomei chuva e deixei de comparecer ao meu encontro com Sarah – que por sinal, não havia me ligado desde então – e ainda não havia devolvido o telefone que eu achei no assento do banco. "Senhor Watson, pode nos responder essa questão?" perguntou o professor me encarando, junto com o resto dos alunos, que me julgavam e comiam com os olhos."Ahn...me desculpe mas eu não sei te responder, senhor." Respondi na esperança de que ele simplesmente fizesse uma cara feia e não desconfiasse que eu nem sequer ouvi qual era a pergunta."Pois bem, estão dispensados." disse ele se apoiando a mesa e me encarando "exceto você, John Watson". Pude sentir a minha barriga gelar, não porque eu estava com medo e sim porque eu simplesmente não estava com cabeça pra ouvir discurso ou conselhos que eles julgam ser a verdade absoluta. Me levantei e fui até a mesa do mesmo, ficando de pé próximo a ele. Apesar de eu ter dezenove anos, aquele professor ainda me assustava como se eu estivesse no primário; ele era alto e magro, usava óculos redondos e velhos – como quem não fazia exame de vista há décadas – e sempre usava a mesma calça para vir trabalhar. Em seu rosto havia manchas de sol e uma barba falhada e mal feita, o que casava perfeitamente com todas as suas marcas de expressão. "Para quem não tem condições, eu acho que você está muito distraído, meu garoto." disse ele, não se importando o suficiente para olhar pro homem que estava ao seu lado. John simplesmente ficou quieto e acenou com a cabeça, não queria se estressar mais ainda naquele dia, apenas queria ir pra casa pois já havia escurecido e perderia o último ônibus da noite. "Dispensado, pode ir." disse o homem ríspido, após perceber que não achava o papel que tanto procurava em sua gaveta bagunçada.No caminho até o ponto de ônibus, John tentou se distrair de sua lamúria diária observando a arquitetura e jardins das casas de classe alta. Deus, como ele desejava poder ter condições de ter um lugar decente para que ele e seu pai vivesse juntos. Ele não tinha muitas ambições, apenas umas casa que não tenha cheiro de mofo e esgoto já estava de bom tamanho para o garoto. Chegando no ponto de ônibus, finalmente pôde se sentar e descansar um pouco. O mesmo agradeceu mentalmente por não estar chovendo no dia, não poderia pegar uma gripe mais forte e perder aula. Perder aula estava fora de cogitação. O garoto gostava de ouvir músicas clássicas para se distrair e um pouco de bossa nova – John tinha uma estranha atração por música brasileira –, então, na intenção de se distrair um pouco, vasculhou sua mochila procurando seu fone de ouvido em meio a aquela multidão de livros e papéis. Acabou apalpando o celular que havia achado e se xingou mentalmente por ter esquecido daquilo, na tentativa de não esquecer de tentar achar o dono, colocou o celular em seu casaco novo que seu pai havia lhe dado por conseguir entrar na faculdade de medicina, o casaco era de cor verde musgo e tinha grandes bolsos onde ele poderia guardar todos os seus sonhos para mais tarde. John havia divagado tanto em seus pensamentos que não tinha percebido a presença de uma nova pessoa ali no perto do ponto de ônibus, julgando por seus cabelos negros e bem cuidados, seu sobretudo – que cobria todo o corpo do rapaz, fazendo-se impossível de reparar no físico do mesmo – e sua pele pálida, o loiro o julgava como mais velho que ele – apesar de sua aparência cansada fazer ele parecer um coroa que mora no subúrbio –. O garoto nem percebeu que estava encarando o homem de cabelos negros, e logo foi acordado de seus pensamentos quando percebeu que o mesmo o encarava de volta. "Você viu algum celular por aqui?" disse o maior com um tom de preocupado "eu o perdi no dia da tempestade, ah, tinha tantas coisas importantes lá." terminou a frase soltando um suspiro leve."Que tautocronia!" John disse sorrindo ao garoto "eu achei um celular no dia em que eu perdi o meu ônibus." Um silêncio breve porém constrangedor quando o menor percebeu reinou ali, e foi quebrado pelo homem de cabelos negros e enrolados: "E onde está?" "Onde está o que?" perguntou John ao garoto, encarando o mesmo com a boca semi aberta. ''O celular. Onde ele está?" "Oh! Está aqui." tirou o celular do bolso "me desculpe pela minha falta de foco,acho que estou muito cansado". O garoto mal havia acabado de falar, quando teve o celular tomado de sua mão pelo maior. O mesmo desbloqueou o aparelho e checou se era o dele. Ao confirmar que era, saiu andando devagar. "Você não vai pegar o ônibus?" perguntou o Watson de uma vez, fazendo com que ele se assuste com a própria atitude."Não, eu moro logo na próxima esquina.De qualquer forma, obrigado." guardou o celular e saiu andando, logo desaparecendo na próxima esquina.John achou o garoto muito fechado mas não podia julgar o mesmo, considerando que ele o encarou por tempo o suficiente para tornar o clima estranho. Talvez estivesse muito cansado e esgotado. De qualquer forma, seu ônibus já havia chegado, rapidamente ele subiu no mesmo e sentou no único lugar vazio, aproveitando para ouvir a música que iria ouvir antes do garoto chegar. Ele se sentia solitário as vezes mas não ligava muito porque sabia que solidão é apenas um mecanismo de defesa que ganhamos ao passar da evolução humana.




ok to com sono até a próxima nois 

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jan 11, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

bus stopOnde histórias criam vida. Descubra agora