Voltamos a rotina, ainda sigo com a minha vida mediucre. Naquele sábado eu havia ido para uma balada sozinho pela primeira vez depois meses. Verdade seja dita, eu só não queria voltar pra casa, pegar o metrô e olhar pela mesma paisagem e notar aquele sentimento de vazio, feito vespas caminhando em meu estômago, com suas patinhas leves e seus ferrões afiados. Fui sozinho, a vontade era só dançar, ouvir alguma música e dançar até que o corpo todo estivesse suado e eu pudesse de alguma forma me exorcizar na pista de dança. Já cheguei e comprei uma cerveja, só para não ficar de mãos vazias, já que eu não tinha com quem conversar, se bem que é fácil puxar conversa fiada. Só é cansativo se forçar a isso. Querer parecer que você está fazendo alguma coisa: conversando, beijando, fumando, bebendo. Beber e fumar só trazem malefícios a longo prazo. Dá pra lidar com isso, eu consigo aguentar as consequências. forçar-se a socializar por outro lado… Fui para a pista de dança e já tocava uma artista do interior que eu adoro, misturando um eletrônico com uma espécie de sofrência que eu juro, faz todo o sentido ouvir assim, na solidão. Solidão pura, quando você é o único ser em um local que não está com ninguém. Dancei! Dancei por duas horas seguidas misturando cerveja e gin tônica. saindo, por vezes para a rua e trocando algumas palavras com algumas pessoas, nada interessante. Era algo como piadas sobre o público jovem ou alguém me perguntar meu signo embora eu já esteja na idade de que signo não me importa, mas eu respondo: touro, ascendente em virgem e as outras coisas eu nem sei. A cerveja rapidamente ficou quente, e o gelo da gin tônica derretou no copo e tornou o drink aguado. Logo fiquei entediado, em algumas duas horas descobri que não sou uma dessas pessoas que vão em balada sozinhas. Talvez eu seja uma dessas pessoas que não conseguem ir com calma em uma coisa de cada vez, ou esperar a coisa ficar melhor daqui trinta, sessenta, oitenta minutos. Talvez eu apenas não consiga esperar a música ruim do set passar e o próximo DJ ser anunciado. Talvez, só talvez, essas coisas meio triviais ou têm que ser boas ou não fazem sentido. eu perco a vontade, o tesão. Falando em tesão… no meio da madrugada resolvi mandar mensagem para uma paquera, ela faria o mesmo comigo, aquelas mina que talvez eu não tenha sentido essa conexão profunda, que talvez me salvassem dali, ou me oferecesse algo melhor pelas próximas horas. Joguei um verde, disse que a balada estava ruim, mas é caro ir daqui até minha casa de uber, acho que vou ficar aqui nessa tortura pelas próximas horas. Ela pergunta quanto daria um uber e eu digo: é caro. faço um drama, mas me mantenho engraçado, reclamo um pouco do lugar, mas elogio o som. é só que aqui só tem criança. ela não demora a oferecer para pagar um uber da balada até sua casa: você pode dormir aqui, se quiser… mas eu não finjo dúvidas, eu já aceito. Não é cansativo, essa insatisfação crônica? esse vespeiro em algum canto do cérebro que te faz querer pular na próxima cama, usar a primeira droga, se recusar a largar a festa? eu que o diga… Chego no prédio e subo o elevador. no caminho, andares acima, tento arrumar a minha cara e me pergunto se estou bonito. Sabe, eu tenho pensado nisso esses dias, na beleza e eu não ando muito feliz comigo, mas eu juro tentar deixar isso em casa, pra ninguém conseguir farejar por aí.
Ela me espera na porta do elevador, sorrindo. camiseta vermelha e samba canção. me dá um abraço apertado, elogia meu cheiro e abre a porta de sua casa para eu entrar. Sentamos no sofá, enquanto ela me oferece uma cerveja e eu retiro os sapatos que agora me incomodam. Eu a encaro alguns segundos, há um sorriso no canto de seus lábios, talvez esteja com o ego lá em cima: olha só a surpresa dessa madrugada de sexta-feira! Talvez esteja feliz em me ver. Seu sorriso convencido me deixa um pouco estranho, mas eu juro deixar isso pra lá. Não quero analisar demais isso aqui e logo começamos a conversar sobre francamente qualquer coisa, a conversa não é muito profunda e eu me peguei prestando mais atenção na música meio brega que ela colocou pra tocar no spotify. Eu não quero soar escroto, é só… estou tentando praticar essa coisa nova, de não colocar importância em tudo. O enxame no meu cérebro começa a zunir novamente. sinto picadas em meu crânio e algo me diz que o velho tédio está voltando, voltando a formigar no corpo e me fazer duvidar se isso era uma boa ideia, talvez não. Provavelmente eu não voltarei me sentindo muito feliz amanhã. Mas agora ela diz que está com sono, quer ir pra cama. Eu aceito, e não acharia ruim se apenas dormissemos, talvez fosse até melhor. Talvez fosse mais sábio, mais maduro, menos covarde. só deitar e dormir, sem transar apenas para matar alguma coisa que segue se movimentando pelo meu corpo. Quando nos deitamos ela me beija pela primeira vez, e sua boca tem gosto de pasta de dente, a minha, provavelmente, de cerveja. Ela rapidamente tira a camiseta que eu havia acabado de colocar. E nada é dito, enquanto ela beija meu corpo e é só aí que eu esqueço que minha mente se comporta como uma colméia em caos. Enquanto minhas pernas estão entrelaçadas em sua cintura, olhando para meu rosto, iluminado pela luz que irradia da janela, eu respiro fundo e fecho os olhos. Sua delicadeza, onde uma tela preta se instala entre eu e meus pensamentos, minhas agonias e angústias e essa vontade visceral de apenas ter algo real nas mãos. eu quase esqueço quem sou entre os gemidos e as mãos que passeiam entre curvas, cabelos, boca. Talvez minha psicóloga tenha razão, eu uso o sexo como válvula de escape. O sexo é intenso e rápido, gozar ou transcender não estava nas expectativas, mas pelo visto deu certo. Mas minha pele está vermelha e minha mente se acalma. A putaria logo me faz dormir, mais tranquilo. eu chego a não ter nem pesadelos. Acordo no outro dia antes dela. faz um baita Sol lá fora e ela ronca baixinho, apoiando a cabeça em uma das mãos. me levanto, tomo uma água, me visto e a acordo: dia cheio, preciso ir pra casa. Ela me leva, sonolenta até a porta, nos despedimos com um selinho e eu caminho até a estação. Não sentindo nada, essa falta do sentir quase machuca, quase perfura, mas não chega a tanto. Não sangra, não dói. Só incomoda, é quase um câimbra dos sentidos. Não há música triste de fundo, não há dores para sanar. Só uma ressaca, uma sede, uma fome que não são apenas literais. Pelo menos agora, acho que estou vivendo, da forma certa (ou não), mas ao menos, vivendo.
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Encontro
Short Story(Aviso) Aborda o suicídio, abuso sexual, tortura e estrupro. Historia fictícia de um homem transgenero. Dedicado a todas as pessoas que vivenciaram e vivenciam abusos e a depressão.