Não brinque com demônios

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O mal das pessoas é achar que os espíritos vão fazer o que eles querem, se nossos próprios filhos desobedecem a gente, imagine uma entidade imortal com séculos de vida e experiência? 
Os caras fazem uns círculos de proteção e acham que vai dar certo, é claro que vai todo mundo morrer, porra! Olha essa merda toda... Bune! Puta que pariu, que filho da puta ganancioso, com certeza tentou invocar o Bune pra tentar conseguir algum tesouro, e outra coisa, Bune é um demônio do dia! São quase 4 horas da madrugada, vocês forçaram a vinda dele e me chamam pra limpar essa merda. Olha... Quer saber Sthefany...se você não parar de chorar eu vou embora, seu amigo morreu, pare de chorar e me ajude a limpar essa merda.

Eu estava do outro lado da sala enquanto o Roger dava um puta sermão na Sthefany, eu tava meio atordoado ainda, era como se eu estivesse num transe, sei lá... Na verdade a sensação é como se eu estivesse num transe há dias e foi preciso que o Rodrigo morresse pra eu acordar, mas ainda não consigo entender como tudo aconteceu, fizemos tudo direito, o círculo... o triângulo... nós até mandamos fazer o símbolo do Bune em cobre, pra ter mais eficiência e certeza de que ele ia aparecer, alugamos essa casa por dois dias, era o tempo de montar um altar enorme e executar o ritual perfeito, não sei o que deu errado.

─ Gabriel, levanta daí, porra! O seu amigo tá morto aqui no chão e sua namorada não para de chorar, me ajuda, caralho! 
O Roger não parava de gritar.
Ele é um amigo da Sthefany que, segundo ela, à introduziu aos espíritos antigos e conhece todo tipo de ritual, o Roger é um cara sortudo, ele nunca tem dinheiro, mas sempre se dá bem em tudo, consegue tudo o que quer sem um centavo no bolso, apenas com o seu sorriso e sua conversa fiada, mas no fundo ele é um cara legal.  

Eu levanto e vou até ele, tem sangue no chão e eu preciso entregar a casa amanhã cedo, o altar foi destruído, eu lembro de pouca coisa, mas certamente essa não é a hora pra pensar no que aconteceu, é a hora de focar em me livrar da porra do cadáver do Rodrigo. Eu não faço ideia do que a gente vai fazer, eu conheço o Rodrigo há uns 4 anos e sempre senti pena por ele ser tão solitário e não ter familiar nenhum que more perto dele e ninguém que se importe com ele, mas essa foi a primeira vez que agradeci por ele ser um desgraçado solitário. 

─ Eu seguro os pés e você os braços, pode ser, Roger?  ─ Minha voz saiu meio rouca, como quem tinha acabado de acordar de um sono perfeito de 16 horas. 

─ Nem fodendo! Olha a cabeça desse filho da puta! Tá toda estourada, parece que ele tomou uma mordida de um cachorro, porra! ele é seu amigo, EU seguro os pés e aí a gente enrola ele naquele plástico preto que eu trouxe e põe no porta malas. STHEFANY, PORRA! Você vai no banco da frente comigo, para de chorar! Gabriel, tu segura o cadáver no banco de trás. Tem um rio aqui perto, eu vi quando estava vindo pra cá, a gente joga ele lá com umas pedras e ele vai afundar. 

O Roger sabia o que estava fazendo, isso me deixava bem aliviado mas assustado ao mesmo tempo, como alguém poderia saber exatamente o que fazer numa situação dessas? Ele veio preparado. Graças a Satã a Sthefany conhece esse cara, porquê sem ele, estaríamos MUITO  fodidos, agora. 

Eu vou até o outro lado e agarro o corpo do Rodrigo do chão pelos braços, ele está com um dos olhos pra fora, esbugalhado, parte do nariz foi arrancado junto com a bochecha, é como se um cachorro tivesse mordido a cara dele, tem bastante sangue na sua roupa e, agora que eu pude notar, na minha também. o Roger pega os pés e eu saio andando com ele, a Sthefany não parou de soluçar e chorar por um segundo desde que acordei do meu transe. Enrolamos o corpo no plástico preto que o Roger trouxe, que era um saco de lixo de 100 litros o qual ele abriu e esticou no chão. Ao encostar no plástico meus pelos sobem e eu fico confuso, não sei dizer se é a estática ou se é o medo de que aquilo seja só o começo de tudo e não a consequência final dos nossos atos, só espero que ninguém mais morra, ou pior, seja preso.  

Nós vamos andando pela casa carregando esse corpo pesado e coberto de plástico preto e mesmo que seja o corpo do meu amigo, eu estou muito mais aliviado de não ter que ficar olhando pro rosto dele, parece que a ficha ainda não caiu, o Rodrigo morreu mesmo! E a culpa é minha, puta que pariu...

Deixamos um rastro de sangue pelo caminho, o altar estava na sala principal, passamos pela cozinha, área dos fundos e então, fomos pra fora, o carro do Roger era um carro grande, imaginei que seria fácil botar o Rodrigo ali dentro... Bom, não foi. Primeiro o Roger me gritou todo e xingou pra caralho, me fez buscar umas toalhas pra forrar o banco do carro dele para não sujar de sangue, e quando voltei ele estava fumando, sentado dentro do carro com o som ligado ouvindo Enter Sandman, do Metallica. 

─ Roger, achei as toalhas, vamo lá. ─  Eu disse muito confiante de que teria ajuda. Obviamente estava enganado. O Roger me olhou com uma cara de desprezo e disse com uma voz bem séria; 

─ Você quer que eu lamba suas bolas, também? Coloca seu amigo dentro do carro  e chama logo a Sthefany que ela vai com a gente. Ainda temos que acorrentar esse cara todo. Adianta o meu lado, porra! 

Bom... eu demorei  uns 10 minutos pra forrar o banco de trás inteiro e provavelmente mais uns 15 minutos pra colocar o corpo do Rodrigo dentro do carro, descobri do jeito mais difícil que cadáveres são bem pesados, os músculos ficam duros e é bem difícil movimentar o corpo e eu definitivamente não estou acostumado a levantar peso. O Roger ouviu Enter Sandman e logo depois tocou Sad but True, o que me animou um pouco porque eu adoro Metallica, mas ao longo do tempo começou a me irritar que eu estava fazendo o trabalho todo sozinho e ele tava de boa curtindo seu cigarro e ouvindo música.
 
Depois que eu consegui colocar o corpo do Rodrigo dentro do carro de um jeito que coubéssemos os dois ali, eu saí e fui chamar a Sthefany.  Ao entrar, agora eu já estava mais calmo e pude notar o estrago que fizemos. Boa parte do sangue tinha secado no corpo do cadáver do Rodrigo, mas as roupas dele estavam encharcadas e deixaram um rastro vermelho escuro por toda a casa, eu olhei pro relógio e ele marcava 4:27, eu tinha que entregar aquela casa às 10:00 da manhã, ainda tinha bastante tempo, dava pra limpar tudo e ir embora sem ninguém notar nada. Cheguei na sala para encontrar a Sthefany do mesmo jeito que a deixei, sentada encostada na parede com os braços sobre os joelhos dobrados e lágrimas escorrendo pelo seu rosto, basicamente ela estava chorando por todo esse tempo em que eu tentava colocar o corpo do Rodrigo dentro do carro. Peguei uma garrafa d'água na minha mochila e entreguei pra ela sem dizer nada, ela abriu, deu um gole e olhou pra mim com olhos cheios de lágrimas, e quase que num sussurro, em meio a soluços de choro, falou pra mim ─ Como vamos sair dessa? O que a gente vai fazer? 
Era como se ela não tivesse escutado ou visto nada do que eu e o Roger tínhamos feito e eu não tinha tempo pra explicar.  

─ Thé, vem comigo, o carro tá esperando, a gente vai resolver tudo, tá?

Ela acenou com a cabeça, e eu a guiei até o carro passando pelo rastro de sangue, acho que ela ignorou todo aquele sangue ou apenas não conseguiu assimilar que aquilo era sangue. Abri a porta da frente e fiz ela entrar, bati a porta e fui sentar no banco dos fundos, junto com o cadáver do Rodrigo que exalava um cheiro forte de ferro e já estava começando a feder, sangue fede. Muito. O som do carro estava desligado, nada de Metallica, agora. O Roger estava ainda mais sério, ele não disse nada e acelerou o carro.













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⏰ Last updated: Jan 18, 2020 ⏰

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