Capítulo Único

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O que te separas de mim não é o fato de que estamos em realidades diferentes, eu nem sei mesmo dizer se há uma realidade entre nós; se alguma vez houve algo real.

O que te separas de mim não é o fato de que teu sorriso não encontras mais o fulgor dos meus olhos ao tocar-te enquanto se derramas de prazer sobre minha pele quente; trêmula; suada.

O que te separas de mim não é teu silabar propositalmente irritante para que eu voltasse a ti toda minha atenção, todo meu ódio; todo meu amor; todo meu fogo; tudo aquilo que despertavas em mim.

O que te separas de mim não é o rancor que pesa sobre as costas que uma vez já estiveram arranhadas de desejo; os insultos vindos dos mesmos lábios mordidos e sujos de batom.

O que te separas de mim não é o ódio que sentiste quando eu te disse que eu estava cansada de tudo. Eu estava cansada demais para pensar em o quão machucado estavas ao deixar minha casa naquela noite.

O que te separas de mim não são as ligações perdidas, os recados ignorados, as batidas desesperadas na sua porta quando você nem sequer estava lá para abri-la.

O que te separas de mim não são os laços cortados; as palavras que ficaram presas na garganta; o adeus que não pude dar.

O que te separas de mim não foi nada que tenhas feito; não foi nada que tenhas deixado de fazer; não foi nada sobre você.

O que te separas de mim são as incertezas que eu carrego; as respostas que nunca terei; a felicidade que nunca pude dar.

O que te separas de mim são as coisas que eu disse e as coisas que eu deveria ter dito; a tempestade de raiva; a enxurrada de dor; o afogamento de alguém que não podia ser salvo da fúria.

O que te separas de mim é o perdão que não pude pedir; a ferida que causei sem ao menos prestar socorro e doeu; apodreceu; necrosou.

O que te separas de mim foi o medo de que foste embora, foi o medo de que me deixasse a sufocar até a morte em minha própria escuridão, mas no final, quem te deixaste para morrer fui eu.

O que te separas de mim foi a morte que causei a ti, o fantasma em que te transformei e agora, vagas como uma alma perdida; apodrecida; fria, buscando sua própria escuridão.

O que te separas de mim é o que costumávamos ser e o que nos tornamos depois de tudo isso.

O que te separas de mim foi a vida que tirei de você para suprir a que eu nunca tive; foi o amor que arranquei de teu peito para preencher o vazio do meu; foi o buraco que te empurrei dentro para que eu não caísse; foi a terra que joguei em cima de ti para que eu tivesse um chão para pisar, e agora, eu sou apenas flores na tua lápide; flores que foram arrancadas estupidamente por um alguém qualquer e jogadas no canto até que você encontrasse; recolhesse; replantasse; cuidasse, e no final, eu não flori pra você.

O que te separas de mim, sou eu.

O que te separas de mimOnde histórias criam vida. Descubra agora