Prólogo

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O mistério da morte, o padre Cícero nunca admitiria em voz alta, continuava inexplicável e assustadoramente cruel. Enquanto caminhava na frente do altar com seus colegas, sentia um gelo no coração que temia que por pouco não se apoiaria na parede. O sino que começou toda aquela ansiedade; cada badalada parecia bater ao encontro do seu coração, todos se ergueram e o olhavam, mas não era como olhavam nas missas, olhavam com lágrimas, desespero, também se indagando sobre o mistério da morte, em que ele havia de transmitir a esses coitados que compreendia tudo, previa tudo e que havia uma explicação do Altíssimo para tudo que ocorria. Como não sabia, mesmo depois de tantos anos de sacramento, ficava mais apavorado.

Felizmente, ninguém o percebeu. Por causa disso, foi se acalmando durante a cerimônia, falando pausadamente e cada vez mais com eloquência. Assim que terminou, olhou o rosto da defunta e suspirou; não era o cadáver que o assustava, muito pelo contrário. O rosto dela parecia cansado e abatido, porém sereno, pois ela morrera durante o sono, e isso lhe deu paz; geralmente uns vinham com caras de puro sofrimento. Ele já chegara a pensar certas vezes: "E se a morte ocorrer no seu pior momento, o de maior dor? Dói tanto que você não aguenta e morre?". Mas a mulher parecia estar dormindo, com os lábios entreabertos, os cílios grandes, as mãos repousando abaixo do busto, os cabelos negros e longos cobrindo os ombros; se não fosse a idade, pareceria uma princesa de algum conto infantil. O que lhe dava pena, somente, eram as faces chupadas, as olheiras, o corpo muito franzino e pálido para a idade, mas geralmente as asiáticas costumam ser mais magras, e tudo isso configurava uma beleza meio cadavérica.

Foi por isso que o padre preferiu professar as últimas palavras olhando para a morta, ou para o fundo da parede, o que deixou ele mais confiante, do jeito que sempre fora. Assim que terminou de falar, continuou observando o cadáver, e durante o tempo que passava, seu aspecto ficava cada vez mais tenso. A juventude daquela mulher, pelo menos 30 anos mais nova que ele, lhe deixava angustiado. Conhecia umas vinte pessoas de cabeça que estavam, segundo suas confissões, claramente na merda, sem motivo para continuar a viver. E ainda assim, o Senhor preferiu levar uma jovem mulher, saudável e generosa, que deixava hoje para trás o marido e uma menina de 11 anos.

Ele se lembrou disso porque, enquanto todos estavam saindo da capela depois da cerimônia, para fumar ou chorar, a menina continuava sentada. Estava cabisbaixa, sozinha na primeira fileira. Pelos cabelos negros conseguia-se ver um vislumbre de um rosto vermelho e molhado, de tempo em tempo limpando o ranho do nariz com a manga do vestido; a parte superior do vestido preto aparecia molhado em grande parte. Ver aquilo foi mais angustiante do que pensar na falecida, pois ninguém havia parado para ver como estava ou confortá-la depois de sua fala, nem mesmo o pai. Na verdade, nunca havia gostado muito daquele homem na comunidade, pois havia boatos de que ele era agressivo e calculista, tanto no trabalho quanto em casa, e todas as impressões que passava, desde a primeira até a última, só pareciam confirmar isso. Mas julgar era seu último dever nessa terra, ainda que lhe parecesse injusto.

Assim que a menina ficou mais cansada do que triste, parando de chorar, o padre respirou fundo e chegou junto dela. Ela o percebeu e, um pouco tímida, se encolheu ainda mais. Ele se sentou ao seu lado. Sentia muito medo de conversar com ela, falar algo que poderia lhe desagradar, mas assim que bateu os olhos nela, sentiu em seu coração que aquela menina precisava de carinho. Se ninguém fosse ajudar, ele ia. Apertava as mãos nos joelhos e olhava para ela.

- Boa tarde, Agatha. Não quer ir pro banheiro lavar o rosto?

Ela sacudiu a cabeça e negou roucamente. Ele colocou a mão levemente no ombro dela.

- Vai por mim. Água gelada vai refrescar nesse calor e vai melhorar seu humor. Depois a gente vai sair e tomar um ar lá fora, que tal? Quando bate sol aqui, a capela fica um forno.

AgathaOnde histórias criam vida. Descubra agora