Capítulo Um: Entrevista

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Ainda que estivesse acordada mantinha meus olhos fechados. Sentia a temperaturas no quarto mudar conforme o sol ultrapassava as cortinas finas e preenchia ambiente com o seu calor, sentia o lençol sobre a minha pele, fino demais para me proteger do frio mas ótimo para uma manhã ensolarada. Minha mente, ainda pouco alerta, queria me fazer lembrar de alguma coisa que deveria ser importante, alguma coisa que eu não poderia esquecer, mas que agora eu estava com preguiça demais para me lembrar.

Ousei me mexer e uma onda elétrica se espalhou pelo meu corpo, como uma reclamação por tê-lo acordado. Me virei de lado, absorvendo o perfume da fronha limpa misturada com algum outro aroma que eu não conseguia identificar logo de cara, e então abri os olhos e encarei a parede branca no instante em que meu celular começou a tocar embaixo do meu travesseiro, despertando de vez a minha mente preguiçosa. Puxei o aparelho e meu estômago embrulhou no mesmo instante em que li a mensagem da minha irmã em letras garrafais: "ENTREVISTA NA L-CORP ÀS 9H, NAO ESQUECE!"

Eu caí da cama e corri para o banheiro tão rápido que poderiam dizer até que eu tinha superpoderes. Abri a torneira do lavatório e joguei duas mãos de água gelada no rosto, calculando o tempo e me remoendo com a certeza que não daria tempo de tomar um banho já que estava bem em cima da hora. Peguei a escova que ficava sobre o armarinho do banheiro e fiz um rabo de cavalo improvisado, passei um desodorante e caprichei no perfume para garantir, depois me arrependi porque era uma entrevista de emprego em uma empresa chique, mas já era tarde. Voltei para o quarto e encontrei em um cabide dentro do armário a roupa que minha irmã havia separado para mim na noite anterior e agradeço aos céus pela organização dela e fiz um lembrete mental de não contar a ela sobre esse atraso. Vesti a roupa em tempo recorde, peguei a bolsa sobre a poltrona da sala e pedi um carro pelo aplicativo.

Exatamente meia hora depois, as nove horas em ponto eu estava atravessando a recepção da empresa com um crachá de visitante preso no peito. Estava tentando contei a minha respiração o máximo que podia e aproveitei o elevador vazio para retocar o batom e garantir secar a testa suada. Quando as portas de metal se abriram diante de uma segunda, porém menor, recepção eu estava como nova.

Do outro lado do segundo balcão havia uma mulher loira, de aparência Alegre e bochechas rosadas. Ela sorriu para mim e saiu de trás do balcão vindo em minha direção com a mãos esticada.

- Bom dia! - Ela era alegre demais. - Me chamo Eve e você deve ser a senhorita Danvers, correto?

Ela não me deu tempo de responder.

- Venha comigo - Eve disse enquanto se virava - A senhorita Luthor está a sua espera.

A porta se abriu e eu prendi a respiração involuntariamente. Senti minhas pernas fraquejarem por um breve instante. Nos fundos do cômodo, diante de uma grande janela que dava para a sacada, estava uma mulher de compenetrada em alguns papéis sobre uma mesa de vidro. Ela pareceu não se dar conta da nossa presença alô até Eve lhe dirigir a palavra.

- Com licença, senhorita Luthor, Kara Danvers, para a entrevista das nove horas.

- Obrigada, Eve.

Quando ela ergueu os olhos eu desaprendi a pensar. Sabia que iria fazer a entrevista com a dona da L-Corp, mas estava achando que iria ser uma mulher de meia idade e sorriso amarelo e Lena Luthor não era nada assim, nada mesmo. Ela tinha os olhos azuis que, ao mesmo tempo eram impermeáveis e pareciam poder ver através da sua alma. Sua pele era pálida e parecia brilhar com a luz do sol que entrava pelas janelas, como aqueles vampiros dos livros que lia na adolescência e seu cabelo escuro realçava ainda mais essa característica. Seu maxilar era marcado e seus lábios carnudos estavam apetitosos com um batom vinho.

- Me-me desculpe o atrasado - e me arrependi de ter aberto a boca.

Lena sorriu, destacando suas covinhas.

- Você não está atrasada - disse, caminhando em minha direção. Ela esticou a mão e eu a apertei, e fui tomada por mais um arrependimento já que minhas mãos estavam suadas de nervosismo. - Venha, sente-se aqui, boa conversar um pouco.

Ela deu a volta na mesa, ajeitou os papéis em uma pilha organizada deixando-a de lado e abaixou a tela do notebook, sua atenção era toda minha.

- Vamos começar com você me falando um pouco sobre você, senhorita Danvers.

- Eu trabalhei em algumas... - ela ergueu a mão para me interromper.

- Não, me conte sobre você, não sobre suas experiências profissionais, - Lena sorriu - vamos chegar lá.

O que eu, uma mera mortal, teria para dizer a Lena Luthor sobre a minha vida que, com toda certeza, era um tédio comparada a dela? Eu devo ter ficado uns trinta segundos pensando em uma resposta minimamente descente, mas nada me veio a cabeça, então comecei pelo começo.

- Eu sou adotada, - falei - meus pais biológicos morreram em um incêndio quando eu tinha por volta de nove anos, quase não me lembro deles, - me apressei a dizer quando vi brevemente a sensação de pena correr pelos seus olhos - mas fui acolhida por uma família incrível, Eliza é os melhor mãe do mundo e minha irmã Alex é minha rocha.

- E vocês se dão bem? - Lena se recostou na cadeira.

- Sim, super! Elas são tudo para mim e minha irmã ela... Eu nem sei o que seria da minha vida sem ela, literalmente.

- Você sempre morou aqui em National City?

- Sim, - respondi - nascida e criada aqui.

- É realmente uma cidade incrível. - Lena se serviu de um copo de água - Posso lhe oferecer alguma coisa?

- Não, estou bem, obrigada.

Lena se voltou para a pilha de papéis ao seu lado e puxou um dentre eles, vi através da folha uma pequena foto no topo que me fez identificá-lo como sendo o meu currículo. Seus olhos correram pelo documento e eu tentei me lembrar de tudo o que havia escrito ali e me arrependi um pouco do que me lembrei.

- Você não tem muita experiência pelo o que vejo - e ali eu tive certeza de que tinha perdido o emprego.

- Realmente, passei os últimos quatro anos cursando faculdade de administração em Metrópolis. - me apressei a dizer.

- Sim, sim, estou vendo aqui - ela deixou de lado o papel. - Porque você se interessou em vir trabalhar aqui?

Essa resposta era fácil.

- Por sua causa. - Lena ergueu as sobrancelhas surpresa e sorriu ao ouvir a minha resposta.

- Por minha causa? - sua voz tinha um sotaque leve que eu não conseguia identificar de onde.

- Sim. - disse - Eu fiquei bastante tempo sem saber o que fazer com a minha vida, fui para a faculdade, voltei e ainda assim não parecia... Certo. Até que li um artigo sobre você, na revista CatCo, sobre como a senhora criou do zero esta empresa, quase sem ajuda e de todo o bem que a senhora faz, tudo o que cria e eu... Não sei, foi como se alguma luzinha ligasse dentro de mim, e na semana seguinte eu vi a vaga de emprego em um anúncio e tomei como um sinal.

Lena não disse nada, apenas me encarou, com uma das sobrancelhas erguidas, como se estivesse lendo os meus pensamentos, compenetrada totalmente em mim. Por algum tempo, que não sei mensurar realmente o quanto, era como se só existisse nós duas, aquela sala e mais nada. Essa era uma das muitas coisas que eu aprendi sobre Lena Luthor a partir daquele dia, que ela tinha o poder de fazer o tempo parar completamente quando queria.

Ela se levantou vagarosamente, rodeou a mesa e se sentou na ponta dela, com as mãos repousadas sobre as pernas cruzadas, sua coxa escapava por entre uma fenda lateral. Não tive como não olha-la de cima a baixo e torcer para que ela não tivesse notado esse gesto.

- Bem-vinda a L-Corp senhorita, Danvers.

I Crossed the Line - Fic SupercorpOnde histórias criam vida. Descubra agora