Era uma época difícil aqui no Brasil. Meus pais foram exilados da Holanda quando eu ainda estava no ventre de minha mãe. Por isso, nasci aqui na cidade de Salvador, me tornando uma cidadã brasileira com nacionalidade brasileira. Mas eu era holandesa. Fiquei pouco tempo no Brasil e logo já conseguimos um navio que nos levava de volta à Holanda depois que o exílio teve fim. Mas minha mãe disse que nada estava igual. Tudo havia mudado, as pessoas estavam diferentes, estava amedrontadas, andavam no mesmo ritmo, pareciam robôs. Pareciam robôs do governo, do Partido.
Mesmo com o fim do nosso exílio, ainda corríamos riscos em morar na Holanda por causa do Novo Regime que, sinceramente, me parecia que o mundo acabaria naquela data.
Vou contar sobre minha vida. Eu sou Anastasya.
Minha família é uma família cristã. Se quiser nos odiar igual a todo cidadão holandês, fique a vontade.
Nossos parentes são judeus e é daí que conhecemos o Judaísmo. Mas um ou outro tio ou primo era um "judeu diferente" que tinha outro livro em mãos. Que era um pouco mais mente aberta: comia carne de porco.Eles nos deram um livro igual de presente. Uma coisa chamada bíblia. Minha mãe lê um capítulo pra mim todos os dias antes de dormir. Eu fico encantada com cada coisa escrita naquele livro. Mas era muito difícil entender. Palavras complexas, cheio de metáforas e parábolas. A única coisa que eu conseguia era rezar o Pai Nosso todas as manhãs e acender uma vela para Jesus Cristo num crucifixo que tinha na parede da cozinha. Mas logo era apagada e quando dava sete horas, minha mãe escondia a bíblia, o crucifixo e as velas. "Não podem nos descobrir" dizia ela.
Hoje eu entendo que corremos riscos de morrer. O cara que comanda a Holanda é um tremendo de um cético e odeia religião. Ele persegue tudo e todos que mantém contato com qualquer coisa de religião. Todas as religiões.
Com os povos nativos daqui, a Holanda era um país de bruxaria. Toda a nação tinha suas denominações e praticavam livremente o que queriam. Não era laico mas também não se importavam muito com quem não tinha tal costume. Mas era como o patinho feio da lagoa. A minha família era o patinho feio da lagoa. Lembra que eu disse que não se importavam com com quem não tinha costume? Isso valia só para teístas. Quem praticava outras religiões, era exilado do país. Olá, Brasil! Advinha?
Por que mamãe não se converte logo para isso? Não aguento mais sofrer. Viver livremente não está em nossos planos. Agora estou aqui, sentada no porão, brincando com uma boneca de pano, toda retalhada. Sei que mamãe fez de coração. Obrigada.
Não sei o que houve antes. Só ouvi gritos de lá de cima.
—Eu não acredito! Não suporto vê-lo assim! —Grita papai.
—Eu também não. O que fizemos para agir de maneira tão rude e com tanto ódio em seu coração?Do que é que estão falando? Eu poderia subir e perguntar o que há nesse momento. Seria falta de educação? Nah. Eu sou criança. Eles vão me perdoar pelo ato inconveniente.
Saio do porão, subo as escadas e pergunto:
—Papai? Por que gritas? O dia no trabalho foi ruim?Os dois me fitaram meio sem jeito, meio surpresos, meio sem palavras.
—Sim, Anastasya. Sim, foi ruim. Tem uma pessoa que acho que não gosta do papai e fica fazendo coisas ruins para me prejudicar. Só isso
—Você vai ficar sem emprego? Vamos morrer de fome!
—Anastasya, pro quarto, por favor!
—Está bem, mamãe.Poxa, que vacilo! E não estou nem falando de mim. Esse cara do serviço do meu pai precisa apanhar da vida pra parar de prejudicar um simples trabalhador honesto que sustenta a casa com o serviço horrível deste país.
Tudo bem. Não falo mais nada.
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A Guerra Contra Anastasya
Historical FictionQuando se tira a democracia de um cidadão, este será condenado até morte por pensar e acreditar no que quiser.