SOMBRA PRATEADA

o papel secundário sempre foi meu

espetáculos de renome sempre têm uma pontinha de tristeza proporcionalmente calculada em todas as linhas dos seus roteiros. porque a melancolia constrói palcos muito melhores e melodramáticos do que um simples teatrinho de fantoches para fazer crianças rirem enquanto provam de um algodão doce barato. para mim, esta é a prova de que a alegria move pouca ou quase nenhuma das sete maravilhas do mundo, exatamente porque todos estão ficando cansados de assistirem romances com finais felizes ou demonstrações de realidades utópicas. ou uma pequena minoria.

a melancolia, por outro lado, expressa o lado tragicamente palpável da vida, e é por isso que eu eclodo em palmas e sorrisos quando vejo algo tão raro... eu pensava não ser a única da plateia a ficar de pé aplaudindo todo aquele show de descontentamento, pois acreditei cegamente quando você, sentado a minha frente, levantou gritando "vivas!" com um entusiasmo de outro mundo! é realmente uma pena que as cortinas se fechem tão rápido e o público saia despreocupado pelas portas do enorme teatro. é que eu gostaria mesmo de ter cutucado seu ombro de fininho antes de você ter se apaixonado por alguém tão erroneamente feliz quanto os dias de carnaval.

ela é a garota dos lábios lapidados de ouro, com o sorriso brilhante de espetáculos cheios de luzes, confetes e serpentinas. é um fato que você está apaixonado por ela, já que ela não precisa de gelo gaseificado, figurinos elegantes ou qualquer efeito especial para parecer a criatura mais bela dentro dos seus olhos. ela só precisou vestir uma máscara e enfatizar um clichê na frente de uma plateia encantada, que anteriormente não vibraria com algo tão célebre. e não, eu não vou assumir que saí correndo loucamente do teatro só porque seus olhos brilhavam enquanto você a avistava sob a luz central! os seus bravo! bravo! me deixaram triste pra caramba, só que pôr uma máscara que esbanja um sorriso falsificado é muito mais prático do que ter que me explicar.

não quero assistir as cenas de um romance mais previsível do que as novelas que a televisão transmite todo santo dia. eu já deveria ter aceitado que a garota bonita sempre vai ser aquela a agarrar corações em todos os momentos de profunda catarse, porque o protagonismo dela é mais marcante do que a atuação medíocre de qualquer personagem secundário. eles são tão inúteis quanto eu.

meus ombros tensos e minha aparência cansada nunca chamariam atenção, nem que eu ficasse debaixo de um holofote. talvez historinhas banais sobre vestidos bufantes cor de rosa e palácios com princesas meigas sejam mais atraentes de desfrutar do que uma menina tão estúpida, que provavelmente iria iniciar um debate sobre o século XXI e suas inconstâncias.

pode ser que a culpa seja minha de ter caídos de amores por alguém cujo os sentimentos já haviam se inclinado para a estrela dos holofotes. tudo bem, eu posso aturar mais esse estilhaço! a vida me ensinou a forjar uma atuação bem convincente para momentos tão doloridos como esse, em que peças infantis tomam o lugar de apresentações únicas e dramáticas como a que eu presenciei ao seu lado, na noite ilustre em que uma pontada de felicidade invadiu o meu peito. mesmo com toda aquela encenação bem feita da realidade dura, eu quis sorrir. mas seja sorte ou azar meu, o roteiro da minha peça bem escrita afogada no sombrio precisou seguir, me fazendo constatar a natureza efêmera daquilo que poderia me fazer feliz. mesmo que por um segundinho!

o que me resta, seja isso bom ou ruim, é contemplar o choro esganiçado dos atores que se apresentam lindamente e usam a minha alma como palco de sua tragédia, quase cômica. por fim, torço para que a sua vida amorosa seja uma narrativa sobre dias de sol e alegrias que perduram pela eternidade. ao contrário da minha aflição ensaiada e enfeitada pelas luzes azuis do teatro com uma plateia numericamente reduzida. não menos importante, sem você para me aplaudir até o vermelho alcançar as palmas das suas mãos.

porque eu não sou a protagonista de um conto de fadas.