Parte I

86 11 5
                                    



Véspera de natal. Dez horas da manhã. E tudo que eu tinha, no momento, era um balcão de madeira lustrado demais com gente rica se pilhando nele.

Queria eu o luxo de poder tomar café da manhã às dez horas.

Mas era véspera de natal e por mais que eu adorasse feriados, estes capitalistas criados pelo consumo eram os últimos que me deixavam animada. Acho que minha animação estava concentrada absolutamente na imagem saudade da minha cama de solteiro bagunçada, com os livros da faculdade ainda espalhados pelos lençóis.

Agora, eu me contentava com o calor do café em minhas mãos.

Pesquei mais uma olhada do meu reflexo: as olheiras estavam escondidas pela base barata (funcionava muito bem, obrigada) e meu delineador estava lindo, fino e perfeito. O mínimo.

Era véspera de natal e o calor era infernal. Literalmente infernal. Acho que se o inferno tivesse que fazer estágio em algum lugar, faria aqui: nordeste do Brasil. A proximidade com a praia era apenas uma brincadeirinha de mal gosto do próprio Diabo para nos lembrar que o alívio está próximo o suficiente, mas nunca próximo o bastante.

Seria uma boa piada, se eu fosse o Diabo.

A vantagem, e se posso chamar disso, era trabalhar em um "ambiente climatizado". As portas fechadas do café-cult-indie frequentado pela nata universitária da zona sul estava relativamente abarrotado. Abri um sorriso, deixando minha xícara vazia na pia e atendendo o próximo cliente impaciente da fila.

- Bom dia, em que posso ajudar?

- Café expresso. E... Esse sanduíche vem com salada?

Sim, meu bem, está no caralho da descrição.

- Sim, senhor.

O garoto levantou os olhos do cardápio, como se quisesse dar mais uma olhada para quem estava atendendo. Isso acontecia com frequência. Essas pessoas tinham uma mania estranha, como se eu fosse amiga delas, como se ser educado não fosse obrigação e sim, um privilégio, como se me olhar nos olhos fosse mais do que o eles fizessem no dia a dia.

Eu não odeio onde eu trabalho, caso pareça isso. Eu gosto. O movimento é pouco, meus colegas de trabalho são legais, é perto de minha casa e consigo ler meus livros para faculdade durante o expediente. Mas eu odiava as pessoas que o frequentavam. Odiava seus carros chiques, seus sorrisos brancos demais, seus cabelos lisos fingindo bagunça, seu jeito de passar pela porta, como se fossem começar sua própria novela clichê.

Talvez eu devesse levar isso para psicóloga, parecia ser uma boa pauta.

- Senhor? Não me chame assim. Temos quase a mesma idade... Angela?

Arqueei a sobrancelha, forçando meu sorriso a não sair do lugar. Lembre das gorjetas.

- Claro...

- Miguel.

- Claro, Miguel.

Ele abriu um sorriso e se eu não estivesse em um dia quase-ruim, eu até retribuiria um pouco mais. Ele era bonito até demais, o que fazia com que ficasse... Não tão atraente? Estranho. Ele tinha um piercing no nariz e... Quatro na orelha esquerda. Seus óculos de grau estavam presos nos cabelos crespos e eu me permiti dar uma breve olhada para seu corpo – nada mal.

Mar de Anjo.Where stories live. Discover now