PLAYBACK
I
Certa manhã, Alba acordou de um sono difícil e na cama se deu conta de que havia sido transformada em nádegas monstruosas. Estava deitada sobre elas e, se levantasse a cabeça um pouquinho, poderia ver que seu tronco não mais existia; a região pélvica, dilatada, se encaixava nos braços e no pescoço, que doía bastante, já que as protuberâncias colossais não permitiam que a cabeça de Alba alcançasse o travesseiro.
"Que é isso?", ela pensou. Não era sonho. O novo quarto dela, tão grande quanto a nova conta bancária, permanecia tranquilo entre as quatro paredes de tons pastéis que ela tanto amava.
Alba conseguiu mover a cabeça para olhar a janela. A rara chuva do inverno carioca a entristeceu, apesar de as águas acariciarem o jardim da casa, que ficava no bairro dos artistas e dos jogadores de futebol bem-sucedidos e dos suburbanos que subiram na vida: a Barra da Tijuca.
"Se dormir um pouquinho mais, vai passar", ela pensou, mas dormir de novo era impossível, porque ela só conseguia adormecer de lado, e no estado em que se encontrava não podia se virar. Tentou uma, duas, três, trinta vezes, mas os braços pareciam curtos e fracos, tudo era muito pesado.
"Deus do céu", pensou, "como cansa essa vida de artista!". Shows de playback dia sim, dia não, em cidades longe uma das outras. Os shows de playback geravam mais dinheiro que o contrato com a emissora e com a gravadora naqueles tempos de inflação descontrolada, sempre pagos em dinheiro vivo, e portanto eram indispensáveis e por isso extenuantes. Gravações, participações ao vivo nos demais programas da emissora, entrevistas, sessões de fotos, ensaios: quase não ficava em casa; ou, quando ficava, gravações, entrevistas, sessões de fotos e ensaios aconteciam em casa. O sucesso parecia ter chegado outro dia, na verdade coisa de um ano antes, mas acontecia de ela sentir vontade de mandar tudo para o inferno. Naquela manhã ela sentiu essa vontade de novo.
"Não posso acordar só na hora que eu quero", ela pensou. "Isso é muito ruim, você não faz nada direito o resto do dia. Você tem que acordar só quando o seu corpo quer acordar. Outras artistas levam vida de luxo. Por exemplo: ainda viajo de avião comum; elas andam de jatos alugados, acho até que a principal delas comprou um avião. Se digo pro meu empresário que quero ter um avião, ela me manda passear. Talvez até isso fosse uma coisa boa. Não tivesse que sustentar tanta gente, meus pais, meus irmãos, avô e avó, desistiria dessa vida. Diria à empresária, ao diretor da TV, ao diretor da gravadora tudo o que penso, tudo o que sinto. Ninguém ia acreditar. Todo mundo ia ficar chocado. Depois que acabar de pagar todas as dívidas dessa gente, todo o dinheiro que meu pai e meu avô devem aos agiotas, todo o dinheiro que vira pó cada vez que a moeda muda, é o que vou fazer. Meu mercado é bom, mas na minha frente tem mais umas três artistas ganhando muito mais que eu. Mas isso um dia vai mudar. Bem, agora tenho que me levantar. Tenho que estar na emissora antes das seis, porque o programa entrar no ar às nove.
Ela olhou o despertador. Seis e meia; não, quinze para as sete. O despertador deve ter tocado, como foi possível não acordar? E por que ninguém naquela porcaria de casa não tinha entrado no quarto? Talvez tivessem tentado e deram com a porta trancada? O que fazer agora? Ainda dava tempo de chegar à emissora, mesmo debaixo das broncas do empresário e do diretor. Alguém da equipe plantaria notinhas na imprensa sobre a estrela atrasada, o programa reprisado, as crianças frustradas, os anunciantes decepcionados. Ela tinha o direito de ficar doente. Mas isso também causaria confusão. Um ano de programa, nunca tinha ficado doente. Não era jovem? Não era saudável? Não era um exemplo para milhões de crianças de todo o país? O contrato a obrigava a ver médicos designados pela emissora. E eles não encontrariam nada, porque na verdade, fora o cansaço, a sonolência, Alba se sentia bem. Não costumava acordar com fome, e no entanto naquela manhã estava faminta.