ℭ𝔞𝔭í𝔱𝔲𝔩𝔬 𝔓𝔯𝔦𝔪𝔢𝔦𝔯𝔬

227 19 59
                                    

Tudo o que eu queria era um pouco de paz e silêncio. Apenas algumas horas bastavam. Mas nem sempre querer é poder.

Todo o castelo está agitado, especialmente o Salão Nobre, onde todos os ilustres membros da corte se encontram reunidos — ou pelo menos a maioria. Estão assim desde que o Rei os chamou para um anúncio real, às primeiras luzes da manhã. Como se fosse um assunto trivial, o Rei anunciou que renunciava à coroa, deixando-a ao seu único herdeiro legítimo, antes de sair para parte incerta como se fosse dono do mundo. 

Típico.

Percorro o perímetro do Salão Nobre nas sombras, atento às reacções das casas privilegiadas do reino. As expressões intrigadas e as escandalizadas são as que dominam as suas feições, apesar de alguns nobres beirarem a cólera. 

Exigem ver o Rei para pedir explicações. Como se tivessem tal direito.

Allister, o conselheiro real, pede ordem e silêncio. Dirigindo-lhe um olhar de piedade que não tenho a certeza de que ele consiga ver, saio por uma porta lateral. Algo nesta história não bate certo.

— Locke!

Paro de andar no instante em que a voz esganiçada de Rosalind me fere os tímpanos com um grito estridente. Respiro fundo, conto até três e encaro a sua pequena e aparatosa figura, tentando controlar a minha expressão de desagrado. 

— Majestade — sibilo, fazendo a vénia.

— Deixa-te disso, querido. — Endireito-me. — Queria saber se sabes do teu pai. Desde que saiu do Salão Nobre esta manhã que ninguém sabe do Gaius. Nem mesmo o capitão da guarda! Parece que desapareceu do mapa.

— Temo saber tanto quanto todos os outros, Majestade. 

— Oh! Estou a ver. — Ela levanta a barra do vestido verde, preparando-se para ir embora. — Se souberes de alguma coisa avisa, por favor. Agora tenho de ir preparar o pequeno Tallius para a coroação. O vosso pai ordenou que ele fosse anunciado como novo rei antes do sol começar a sua descia até ao horizonte. Para além disso, não posso aparecer perante a corte nestes trapos. Preciso de me vestir à altura — acrescentou, com uma risada nasalada semelhante ao roncar de um suíno.

—  Vossa Majestade fica sempre deslumbrante, vista o que vestir.

Faço nova vénia e só me levanto quando os saltos dos seus horríveis sapatos se deixam de ouvir no chão do estreito corredor lateral, levando para longe as suas gargalhadas afetadas. Dirijo uma careta na direção na qual ela desapareceu e dou meia volta, retomando a minha caminhada pensativa.

A Rainha Rosalind é mãe do único herdeiro legítimo do Rei Gaius. Mas como o meu meio irmãozinho tem apenas seis anos de idade, e como tal não pode assumir a coroa, ela será nomeada Rainha Regente. Para grande pesadelo de todo o reino.

Rosalind não passa de uma criança frívola, apesar dos seus trinta e um anos de vida. É uma mulher tola, que se interessa apenas por coisas superficiais e femininas — como a última moda ou os grandes bailes — e que muda de opinião mais depressa do que as folhas mortas mudam de direção num vendaval. Tem correntes de ar no lugar do cérebro e o único peso que a cabeça lhe faz no resto do corpo é do cabelo, sempre preso num penteado hediondo que acaba uns bons 30 centímetros acima do limite da sua testa pequena.

Estamos em guerra com reinos vizinhos e com províncias subordinadas que querem reclamar a sua independência. A última coisa que este reino precisa é de um regente irresponsável, incapaz de tomar as decisões que mantêm a nação de pé.

— O que é que lhe passou pela cabeça, Gaius...

Toda esta história me deixa inquieto. 

Eu conheço bem o meu pai. Mesmo que Tallius tivesse idade suficiente para governar, ele seria incapaz de abdicar da coroa enquanto fosse vivo. Não que ele tenha um apego cego ao poder. Nada disso. Mas ele nunca conseguiria viver consigo próprio se estivesse perto do trono o suficiente para saber de antemão o que acontecerá ao reino, mas longe demais para não poder fazer nada a esse respeito.

Se queres uma coisa bem feita, tens de ser tu a fazê-la. É este o seu lema. É por este mote que ele rege a sua vida. 

Gaius é um homem demasiado rígido e demasiado prático. É impossível ele ter mudado a sua maneira de ser, a sua própria natureza, da noite para o dia. 

Algo o assustou.

E eu quero descobrir o quê.

[749 palavras]

Os segredos do Rei ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora