ℭ𝔞𝔭í𝔱𝔲𝔩𝔬 𝔖𝔢𝔤𝔲𝔫𝔡𝔬

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A ala do castelo onde se encontra o escritório real está vazia. O frenesim e a agitação fez com que criados, guardas, nobres e outros que por aqui habitam se dirigissem para as alas centrais em torno do Salão Nobre e dos aposentos reais privados, deixando esta parte do castelo praticamente deserta.

Com a mão na maçaneta, noto que a porta do escritório não está trancada, pelo que consigo entrar com extrema facilidade.

Uma vez lá dentro, fecho a porta atrás de mim. A divisão está mergulhada no breu porque as cortinas de tecido grosso estão corridas, tendo apenas uma minúscula fresta entre elas que deixa escorrer um veio de luz para as costas da cadeira da secretária. Contorno os obstáculos entre mim e a janela, ajudado pela minha memória, e alcanço-a com poucos passos. Agarrando o veludo, afasto as cortinas e deixo a luz do sol iluminar o espaço familiar.

Demoro o meu olhar nas estantes carregadas de livros e pergaminhos, no enorme globo a um canto, na lareira de pedra de lume apagado e nas poltronas. Faz algum tempo desde a última vez que aqui entrei.

Verifico a porta que dá para uma saleta interna privada. Está fechada, mas não trancada.

Lá dentro encontram-se estantes com documentos oficiais e livros com as árvores genealógicas inteiras de todos os monarcas que já se sentaram no trono. Ao lado da minúscula janela estão duas poltronas e uma mesinha de apoio e sobre uma mesa de centro está um mapa do reino, com as fronteiras e as províncias rebeldes bem assinaladas e com os esquemas da movimentação das tropas, numa réplica exata do mapa que se encontra na sala de reuniões do conselho de guerra. O Rei vem para aqui refletir em silêncio sobre as melhores estratégias militares a adoptar quando não suporta as discussões dos seus ministros e generais.

Entro na pequena divisão. O primeiro lugar em que procuro por pistas é no esconderijo pessoal do rei — uma tábua solta debaixo das pernas da poltrona mais afastada da porta. Lembro-me de o ter visto lá colocar jóias e documentos secretos algumas vezes quando era mais novo. 

Afasto a mobília, levanto o tapete e retiro a tábua, encontrando um buraco vazio. O que quer que Gaius ali mantivesse, já lá não está. Coloco as coisas no seu devido lugar e procuro pelos papéis que aparentam ter tido um uso mais recente, passando-lhes uma vista de olhos. Nenhum deles contém motivos para o Rei abdicar da coroa. Em seguida, procuro nas estantes as prateleiras com menos pó e remexo os pergaminhos em busca de respostas. Nenhum deles me ajuda.

Fecho a porta da saleta depois de a percorrer com os olhos uma última vez, não encontrando nada de revelador.

Dou meia volta e dirijo-me à secretária, sentando-me na sua pesada cadeira aquecida pelo sol. Pendurado na parede, mesmo à minha frente, está um retrato da Rainha Harina, a primeira mulher de Gaius e princesa legítima do reino.

Gaius subiu ao trono por casamento com a então princesa Harina, que depois foi coroada Rainha. Nenhum dos dois era mau monarca, e o reino prosperou. Gaius e Harina tiveram uma filha, a princesa Elce, que veio a morrer ao fim de um ano e meio de vida, vítima da mesma febre que levou a sua mãe poucas semanas antes. Eu devia ter três anos e pouco quando ambas faleceram.

Naquela altura já havia províncias com ideias de independência da coroa, mas o exército era forte o suficiente para capturar os dissidentes e abafar as revoltas. No entanto, a guerra com os reinos vizinhos estalou há três anos, graças a disputas comerciais e fronteiriças. O exército real foi dividido nas várias frentes de combate e, neste momento, os rebeldes encontram pouca ou nenhuma resistência à sua revolta.

O tampo da secretária contém uns livros insignificantes, uns relatórios, um candelabro com velas raquíticas e uma ampulheta. Estico as mãos para a única gaveta central embutida debaixo do tampo. No seu interior só se encontra material de escrita e mais relatórios. A única coisa que lhe falta é a adaga que Gaius mantém sempre aqui escondida para as eventualidades.

Reclino-me na cadeira e penso nas opções que me restam.

— Parece que terei de perguntar pessoalmente....

Levanto-me da cadeira almofadada e saio do escritório. Vou às cozinhas roubar um pedaço de pão e um cálice de vinho, dirigindo-me às cavalariças em seguida. Peço que me selem um cavalo qualquer. O criado estranha, especialmente porque a coroação de Tallius será dentro de duas horas, mas mesmo assim atende ao meu pedido. 

E em menos de nada, saio do castelo a toda a brida, deixando para trás toda a confusão instalada pelo anúncio real daquela manhã.

[788 palavras]

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