Capítulo 1

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Imortais

Acordei, a manhã era fria, eu lembro-me de olhar no calendário: 2 de setembro de 1947, exatamente dois anos após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Olhando o teto, não havia nada em especial, não havia sequer um ventilador, nem que velho e quebrado, havia apenas o teto que um dia talvez tenha sido branco. Assim que de fato decidi dar um fim àquela tormenta, levantei-me vagarosamente, arrastando os lençóis desgrenhados à minha volta, outrora pisando em alguns espalhados pelo chão. Num dia tão comum como todos os outros. Tomei banho e penteei os cabelos, arrumando a cama com certo zelo, em seguida fui ao andar de baixo, ouvindo o ranger da velha escada a cada pisar. Eram 9 horas e 57 minutos da manhã, segundo o relógio de pêndulo na parede.

Na pia da cozinha, havia louças sujas da noite passada. No escorredor de louças não havia sequer uma xícara limpa, por isso precisei lavar uma. Então fiz café. Mesmo que já houvesse acordado, eu ainda precisava de algo que me fizesse pensar "sim, mais um dia começou". E foi assim, voltando para a cozinha, que me dei conta de um pano de prato mal dobrado, estava apenas jogado em meio a toda desordem, um mero fruto da minha desordem interna. Resolvi então que arrumaria.

Aparentemente a organização não me trazia paz, me trazia cansaço, ao qual não reconheceria físico ou emocional. Assim que terminei já marcava 11 horas e 38 minutos. Eu apenas desisti gradativamente da ideia de fazer um almoço. Recostei-me ao sofá, suspirando profundamente. Não havia eletrônicos em casa, estava frio, porém não ventando, por que as grandes cortinas não balançavam. As paredes tinham sinais de antiguidade, alguns pontos do reboco estavam derrubados, aparentemente não resistiram ao tempo, ou à falta de zelo do seu ocupante. Inclusive o sofá me parecia muito vazio e desconfortável já rasgado e manchado. A casa era inteiramente mobiliada, o que não a fazia deixar de parecer vaga demais.

Eu me sentia exausto, minha visão oscilava e embaçava como se algo tentasse impedi-la, até que um líquido levemente morno escorreu por meu rosto, então voltei a enxergar claramente. E assim cochilei no sofá, numa posição desagradável e acordei.

Essa noite eu sonhei que estava sozinho.

Lan Wangji estava sentado na cama, segurando um livrete, com letras escritas à mão. A caligrafia não deveria ser descrita como feia; talvez descuidada. O mesmo foi fechado e deixado na mesa de cabeceira. "Wei Ying está sendo atormentado por estas lembranças? Você vem tendo sonhos parecidos há pelo menos dois dias."

"Não se preocupe Lan Zhan, são apenas sonhos, eles não me afetam." Wei WuXian penteava os cabelos escuros e curtos, vestido de maneira comum aos dias de hoje. Usava uma camisa vermelha e uma calça moletom cinza, com os pés descalços no frio do chão. Assim que acabou de pentear os próprios cabelos, automaticamente pegou a escova do marido, sentando-se atrás dele na cama. "Eu não venho pensando sobre isso, juro, são apenas sonhos, eles vêm e vão, eu não posso controlar..."

"Se precisar conversar comigo eu estarei aqui." Disse, baixando a cabeça para facilitar o que penteava seus ainda longos cabelos, já não tão longos quanto um dia jazeram.

"Eu sei disso Lan Zhan!" Sorriu grato por ter aquela luz em sua vida, em sua longa e interminável vida.

Há alguns milênios atrás, todos sonhavam com a imortalidade. Ainda no mundo da cultivação, a condição era uma dádiva concebida apenas aos melhores, aos que cultivassem além de todos os outros, que se sobressaíssem. Somente a esses a honra de viver para sempre seria entregue. Mas foram poucos, muito poucos os amaldiçoados, era assim que Wei WuXian chamava.

Para alguns viver pela eternidade pode ser considerado uma benção, mas apenas para aqueles que nunca viverão pela eternidade. A morte faz com que a vida pareça preciosa, com que haja a vontade de viver cada dia como o último, mas sem a morte, a vida perde gradativamente seu sentido.

Imortais | Mo Dao Zu ShiOnde histórias criam vida. Descubra agora