Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia.
William Shakespeare
Interior da Itália, alguns bons anos atrás.
O vento leve típico da primavera soprava contra o campo, agitando as flores e o gramado verde e criava o mais lindo cenário que deixaria qualquer um que visse de boca aberta. O céu azul e as casinhas simples completavam a paisagem, que só melhorava com a pequena quantidade de parreiras que enfeitavam o vilarejo.
Nesse mesmo lugar, contrastando com a calmaria e paz, duas jovens no auge de seus 17 e 18 anos corriam entre as flores e parreiras, gerando xingamentos das pessoas que tentavam trabalhar ao ver suas uvas amassadas pelo chão, o que só as faziam rir mais.
"Você nunca vai me alcançar, inglesa!"
A menina loira corria o mais rápido que seus pés descalças e vestido velho deixavam, sempre olhando para trás para ter certeza de que a menina da Inglaterra não a alcançaria.
"Espere só até eu conseguir, estranha"
A morena apertou o passo, forçou o corpo até onde não aguentou mais e só conseguiu alcançar a italiana debaixo da árvore das duas. Jogou-se contra ela, derrubando-a no chão e explodindo em risadas com a mesma enquanto rolavam em um abraço para o meio dos troncos da oliveira.
"Suas ameaças vazias me fazem rir. O que você ia fazer comigo, senhorita?"
A mais velha desenhou um sorriso malicioso nos lábios, aproximou a face do rosto bonito e assistiu com deleite a loira se entregar aos poucos... E então, levantou um dedo entre os rostos.
"Isso, garota!"
Assim, começou uma série de cócegas no corpo da outra, rindo junto com a risada contagiante que saía dela, só parando quando viu o rosto vermelho.
"Satisfeita? Nunca mais tente correr de mim com essas perninhas de criança."
"Perninhas de criança? Eu sou mais alta do que você, bambina!"
"Você pode ser mais alta, mas eu continuo sendo mais velha e você deve me respeitar, capisce?"
A mais nova riu com o sotaque forte da outra, aconchegando a cabeça no colo da morena que começou a acariciar os cabelos loiros. Elas amavam aquele tempo que passavam juntas. Aquela árvore já tinha a marca delas e se encontravam ali toda tarde para jogar conversa fora e... namorar.
Mas não era o tipo de namoro onde você imagina beijos, amassos, toques e qualquer outra coisa desse tipo.
Aquilo era puro.
Era alma.
Foram poucos os beijos de verdade que trocaram até então, mas se perguntassem quantas vezes já tinham ralado os joelhos por cair no meio de uma perseguição, nem elas saberiam contar. Não existia mais nada tão puro e genuíno quanto a relação que as duas tinham.
"Carino." Chamou atenção da mais velha, pousando a própria mão na sua. Quando recebeu um murmúrio em resposta, continuou. "Me conta aquela história de novo?" Pegou a mão da inglesa, trazendo para seus olhos e observando cada detalhe da mão de sua amada.
"Você sabe que pode me pedir tudo o que quiser quando quiser, certo tesoro?" A mais nova balançou a cabeça em sinal de que entendeu, dando bandeira para a morena começar.
A história em questão era uma que inventara ao ver a mais nova pela primeira vez. Não por que ela era muito bonita. Bom... Isso também. Não se podia negar a beleza nos traços daquele rosto claro, os cabelos cor de ouro emoldurando as bochechas coradas, a boca carnuda, o nariz perfeitamente desenhado e os olhos.
E esse era o motivo. Seus olhos.
Nunca tinha visto olhos tão bonitos e profundos com tamanha peculiaridade. Era óbvio que pessoa que o destinho escolheu para amá-la não seria qualquer uma. Assim como a relação das duas, tudo tinha que ser diferente.
Os olhos que a menina ostentavam eram heterocromaticos. Um deles era verde como a folha da oliveira onde repousavam, tão claro e ao mesmo tempo tão intenso quanto uma das cores do mar.
Já o outro, era completamente azul, tão azul que poderia jurar que se olhasse demais, se veria no céu ou em qualquer lugar onde aquela cor tão pura pudesse lhe fazer viajar.
Os dois juntos formavam a mais bela das combinações. Eles tinham a cor do mar. Ela tinha medo de se perder neles, mas ao mesmo tempo queria se jogar sem medo, com os braços abertos e agradecer aos deuses se a fizessem afogar. Não tinha certeza de muita coisa em sua vida, mas sabia que queria morrer olhando para aqueles olhos, viver uma vida toda ao lado deles, jurando amor eterno à sua dona, prometendo céu e terra àquela mulher, do mesmo jeito que sabia que a outra queria fazer.
A mais nova nunca tinha visto o mar, mas amava tanto quando ela dizia que amava a seus olhos como amava as águas que a fizeram lhe encontrar, que toda vez que ouvia a história, tinha certeza de que podia ver essa coisa descrita com tanta clareza que se deixava levar, ficando o dia todo deitada em seu colo, sendo mimada com seus carinhos e ouvindo aquela voz falando somente consigo.
Quando viram que os pássaros começavam a levantar voo e o Sol começar a se por, levantaram de onde estavam, tirando a terra dos vestidos e parando de frente uma para outra como sempre faziam.
"Te vejo amanhã?"
"Sempre"
Selaram a promessa com um selinho, e uma flor vermelha que trocaram, colocando uma atrás da orelha da outra, dando as mãos e voltando ao vilarejo. Era tudo tão perfeito, nenhuma das duas nunca sonhara com aquilo.
Uma pena que aquela foi a última vez que se viram.
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Ocean Eyes (Jenlisa)
RomanceQuem via Lalisa Manoban de longe pelos corredores do último ano do ensino médio enxergava apenas uma garota estranha, antipática e antissocial, sempre nos moletons maiores, fazendo de tudo para não ser vista. Um verdadeiro fantasma. O que ninguém im...