ÁLCOOL

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 Caminho entre todos os corpos suados e bêbados, paro, minha respiração vai e volta, meu pulmão está queimando, sufoco e tusso forte, misturei todos os tipos de drogas que eu consegui com Mb e isso está levando meu corpo a falência, cambaleio por mais dois metros e esbarro em uma parede, ficando por lá mesmo. 

O chão está gelado e eu me agarro a eu mesma, meu corpo parece entrar em ebulição, estou prestes a explodir, minha garganta fecha, o sabor do vomito sobe, vodca, minha língua tem gosto de cigarro, meus olhos giram e eu caio.

Todo meu ser gira, gira e gira, sinto minha cabeça cair e subir, caindo e subindo bem lentamente, não quero vomitar, não quero levantar, a vida é tão curta, parece que estou morrendo enquanto tusso e meu estomago aperta, me envolvo com meus braços, meu corpo magro se balançando.

Não quero pensar, não quero ver, quero apenas deitar e ficar jogada ali, como alguém que merece estar jogada ali.

Um sorriso louco surge sem comando em meu rosto, minha mente ainda está tonta e eu não sei o que está acontecendo, não sei onde estou, mal sei meu nome, mas ainda sei o que aconteceu a 3 anos atrás.

O acidente, a batida, o carro capotando, tudo girando como agora, só que mil vezes pior, meu corpo se batendo contra o cinto, e o banco traseiro do carro, lembro de como o acolchoado parecia confortável e me fazia querer dormir, dos sorrisos e das músicas irritantes que ela estava ouvindo.

Choro, choro, e me prendo no meu próprio abraço, as lágrimas descem por meu rosto e não existe ninguém que possa limpa-las, estou acabada, minhas entranhas se apertam, e eu soluço, me engasgando no próprio choro.

Eu simplesmente não consigo mais, não quero mais viver, não quero mais nenhuma merda em minha vida. Não quero ter que ir todo dia no hospital e vê-la definhar, falar com ela sem que ela demonstre nenhuma reação, não quero ter que voltar pra casa sem poder sentir seus abraços, não quero seguir a vida porque ela não está mais lá.

Ela sempre estará lá. Eu sempre irei ama-la.

Seu rosto surge em meio as lágrimas, e eu sorrio, sorrio ouvindo sua voz me chamar, e um clarão surgir, seu cabelo cacheado está bagunçado, ela me estende a mão, e eu a agarro, agarro com todas as forças que tem em meu ser, meu corpo não dói mais, e eu ainda choro, mas, mais do que isso estou sorrindo, sorrindo porque ela está do meu lado, sua mão está na minha, e eu sei que ela vai me proteger se eu a seguir.

Sua voz é calma e seus olhos brilham para mim, quero ficar com ela para sempre. Nossos dedos se entrelaçam e eu a sigo.

É a minha vez de ir.

-Lica!!!!- não é sua voz, no fundo do meu subconsciente eu ouço, mas não é sua voz, meu corpo se ergue e tudo se aperta, pareço estar sendo agarrada, sacudida, estou atordoada, me prendo mais a voz dela e vou, eu quero ir.

-Lica, acorda!!!!- não quero acordar, não quero ter que viver em um mundo em que voltar pra casa não é uma opção, eu não quero voltar pra casa.

Não sei de quem é a voz, mas a empurro, empurro pra longe, longe de tudo, longe de mim, não quero acordar, mas eu choro, porque sei que seu rosto é um sonho bom, e que suas mãos na minha não são reais, choro e tremo, todos os meus nervos tremem.

Olho seu rosto em clarão, chamo seu nome alto, minha garganta dói, e poderia rasgar.

- ela não está aqui! - sua voz grita mais alto que a minha e ele me balança forte, uma lágrima cai em meu rosto e vejo Mb ajoelhado ao meu lado, aquela dor não é dele, é minha, e ele a chora comigo, ela se vai no sonho e tudo volta a realidade, a música também gira, eu não o quero ali.

Eu quero ela.

Lembro do sangue no banco do passageiro, o dia estava ensolarado, meus joelhos estavam ralados do asfalto, tinha sangue em tudo, em todas minhas roupas, lembro de como gritei por Deus para estar do lado dela, enquanto dois paramédicos me puxavam, e me arrastavam para longe do seu corpo quase sem vida, eu dizia repetidas vezes que queria ficar, mas fui sedada e dormi por quase dois dias completos.

Eu não à vi quando saí do hospital, eu não à vi por dois meses, eu só chorava, meus soluços eram os únicos sons que eu ouvia, minhas amigas iam me ver todos os dias, e revezavam para ver que dormiria comigo à cada dia, todos os dois anos seguintes ao acidente foram borrões para mim.

As mudanças, as pessoas que foram sumindo aos poucos, todos se afastando, eu me isolando casa vez mais, as vozes desaparecendo, perdi a fala por 3 meses, e emagreci quilos que eu não tinha.

Eu me devastei, me perdi e nunca me encontrei, não me encontrei nem na primeira vez que entrei em seu leito, e ela parecia apenas dormir, eu morri naquele dia, meu único problema era estar morta dentro de um corpo com vida.

Todas as dores que senti naquele dia, todo o horror, minhas crises e meu ar indo embora.

Eu sufoco.

Minhas mãos se fecham nos braços do garoto que me apoia, e minhas unhas afundam em sua pele, pode sair sangue, mas não sinto, não puxo o ar, não respiro, apenas deixo as lágrimas saírem como todas as outras vezes, todos os meus outros ataques, está tão forte, hoje está tão forte.

Lembro dela como ontem, como na última vez que disse "bom dia" dei um beijo em sua testa e sai sorridente, ela me disse algo, mas eu nunca ouvi, essa foi a última vez desde a estrada, o carro vermelho, e o acidente.

Convulsiono de tanto chorar e MB me agarra mais e mais forte, me prende nele, ele quer me proteger e me fazer fugir, mas não consigo esquecer. Sua voz sussurra palavras de conforto, ele está mais drogado que eu.

Uma das únicas pessoas que ficou do meu lado quando tudo que eu tinha se despedaçou, ele era um bom amigo, me levava para todos os lugares quando via que eu ia pirar, e me ajudava a fugir do colégio quando eu estava para quebrar a cara de alguém.

Ele me dava espaço, e uma vida de perdição.

Adrenalinas que me faziam esquecer por um segundo que minha vida estava acabada, que eu não tinha mais para onde voltar, ou para onde ir.

- Quero ela- não ouço minha voz, mas sei que eu disse, sei porque é a coisa que eu mais quero no mundo, porque eu nunca tinha me sentindo tão acabada e destruída em toda a minha vida.

Meu amigo para de chorar por um instante e me levanta em seus braços - Cê quer ver ela? - eu assinto, ele não sorrir, Mb sabe que fugimos do Colégio em uma segunda e que temos que voltar antes do amanhecer, não sei que horas são, não sei onde estamos, mas não podemos ser pegos, essa é a única formas de sempre sairmos, nunca ninguém pode saber.

Ele está girando de uma forma engraçada e tenho vontade de rir, não consigo.

- Nós estamos chapados- me relembra, estou sendo carregada, mas não sei para onde.

- Eu quero ela!!!- grito a plenos pulmões e me debato, quase nos derrubando no chão, mais lágrimas caem, meu rosto está todo molhado.

Ele não sabe a falta que ela me faz, nunca ninguém vai saber, nunca ninguém vai entender.

Eles irão te olhar, e dizer que te entendem.

Eles não te endentem.

Eles vão ter pena e você vai ser obrigada a sorrir, e levar docinhos para o quarto de hospital.

Ela nunca vai comer os doces, mas você ainda vai levar, sabe por que? Porque um dia talvez, talvez ela acorde enquanto você segura sua mão, e quando acordar, ela vai amar saber que você levou os doces que ela mais gosta para ela.

Sorrio com o pensamento, talvez ela acorde amanhã, talvez ela tenha acordado hoje.

- A gente vai para a prisão- Mb informa, sua voz está tão longe, não tenho mais forças para gritar que quero ela, ele sabe que à quero, todos sabem, todos sempre vão saber.

Eu a amo, e todos sempre vão saber que vou querer estar do seu lado.

Minha mente gira e minha última lembrança antes de apagar é seu sorriso feliz.

Eu sinto saudades.

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⏰ Última atualização: Jan 28, 2020 ⏰

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