A primeira semana passou tão rápido que Paula nem acreditou que já estava a sete dias morando em sua nova casa, acompanhada pelo cachorro-sem-nome. Júlio aparecia todos os dias e às vezes eles conseguiam conversar sem que ela sentisse vontade de esganá-lo até a morte. Ela contava até cem, para evitar que suas mãos fossem parar acidentalmente no pescoço dele.
Maria viajaria dentro de algumas semanas e as duas estavam mais grudadas do que nunca. Sempre que podia, a garota se acomodava na casa de Paula e as duas conversavam sobre tudo e nada até o sol raiar, mas nenhuma tocava no assunto da mudança de Maria.
Naquela manhã em especial, Maria saiu cedo e voltou para a casa dos pais, era domingo e ela pretendia ir à igreja, participar da escola Bíblica. Paula estava tentando organizar sua vida e retomar sua participação nos cultos, ao menos. Por enquanto, ela ainda não sabia nem como aprenderia a tirar leite da pobre vaca. As duas já haviam tido até uma conversa sobre isso, mas não importava o quanto Paula pressionasse o ubre de Mimosa, não saia uma única gota.
Júlio estava atrasado, ele havia prometido que tiraria leite de Mimosa enquanto Paula não conseguisse. Mas já era quase meio dia e a vaca estava mugindo loucamente.
— Ok, bonitinha, parece que somos só nós duas hoje e vou tentar ajudar você, mas preciso que me ajude também. — Paula conduziu a vaca para a estrebaria e a prendeu como Júlio tinha ensinado.
— Certo, agora vou pegar o banquinho e sentar aqui e puxar os seus seios, e você vai deixar o leite fluir para o meu balde, lindamente! Combinado? — Paula acariciou a barriga da vaca que em resposta bateu o rabo na cara dela.
— Mimosa, que indelicadeza a minha, esqueci de prender seu rabo, com licença. — Paula prendeu o rabo do animal, exatamente como vira que Júlio havia feito. No instante que terminou de prender a vaca urinou em sua bota.
— Ai, isso não parece estar dando muito certo... mas vamos lá! — Estalou os dedos e sentou no pequeno banco de madeira. Um tanto quanto desajeitada começou a puxar as tetas da vaca, sem conseguir resultado nenhum. Tentou, tentou e tentou. Quando estava prestes a chorar, ouviu alguém rindo logo atrás dela.
Levantou-se apressada, para xingar Júlio pelo atraso, afinal, ele prometera que estaria lá para ajudá-la.
— Você está atras... — Não conseguiu concluir a frase pois não era Júlio quem ria dela.
— Desculpe, não pude evitar. Seu jeito com a pobre vaca me fez rir. — O homem caminhou em sua direção com a mão estendida. Calçava botas brancas de cano alto, jeans surrado e uma camisa branca com os três primeiros botões abertos, usava um chapéu de palha e tinha a barba por fazer, além do sorriso escancarado, os olhos azuis brilhavam na direção dela.
Paula fitou a mão do jovem estendida em sua direção e pensou por um segundo se deveria cumprimentá-lo.
— Meu nome é Felipe. — Ele balançou a mão, e apontou com o rosto para que ela cedesse ao cumprimento.
Paula rolou os olhos e apertou a mão dele.
— Me chamo Paula — disse sem sorrir.
— Eu sei, a paulista que está desbravando nossas terras em busca de uma nova vida.
— Quem te disse isso? — Paula perguntou curiosa.
— Hum... não lembro se foi o leiteiro, o vizinho de cima ou um primo meu. Na verdade, acho que foram todos. Cidade pequena, sabe como é, não se tem muitas novidades. Sei também que você é amiga de Maria.
— Ótimo, espertinho, sabe muito a meu respeito e eu não sei nada sobre você e nem por qual motivo está na minha estrebaria. — Paula cruzou os braços na frente do peito e encarou o sujeito com seu melhor olhar aterrador.
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Memórias em papel timbrado (Degustação)
RomantikA vida agitada de São Paulo teve sua data de validade expirada assim que Paula completou dezoito anos de idade. Em posse de seus pertences e de uma convicção inabalável, a garota feita de sonhos se mudou para a pacata cidade de Ouro, no interior de...