Um Novo Rumo

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Ao menos era isso que Roger dizia para dona Ruth, enquanto tentava convence-la de que a Escola Ruth Goulart estava ficando ultrapassada. Um novo rumo, um recomeço sem a necessidade de voltar atrás. É verdade que com sua administração, a escola havia chegado até ali, mas com ele poderia ir além. Não se trata mais de ser fiel às tradições, coisa de velhinhos caquéticos e desempregados. O futuro chegou e quem não está adiante, está fora da jogada.

− Que jogada?

Ruth não conseguia acompanhar o discurso de Roger, que parecia um balão vermelho cheio de gás hélio devido as longas sentenças sem as devidas pausas para respirar. De balão passava para pimentão cada vez que que surgia um questionamento. Ao invés de tentar explicar de maneira mais simples seus devaneios de grandeza, se enervava achando que as dúvidas eram apenas demonstrações de desconfiança para com ele.

− Pra que ficar encasquetando, Ruth? Você não entende, mas eu entendo do que estou falando.
− Acontece, Roger, que a Escola não é sua.
− Ainda, suspirou entre a língua e os lábios como o sopro de uma cobra.

Nas próximas duas ou três horas, a diretora teve que ficar ali sentada ouvindo todos os motivos e razões para que ela deixasse de lado suas próprias convicções e principalmente essa história de linha sucessória da avó. Herdou a escola para melhora-la e não mante-la a mesma de cinquenta e tantos anos atrás. Mas a imagem de vovó Ruth Goulart não sairia do imaginário de dona Ruth tão facilmente.

− Se soubesse o que minha avó diria caso o ouvisse dizendo essas coisas.
− Acontece que ela não está mais entre nós.

Aquilo soou tão agressivo aos ouvidos de Ruth que Roger, assim que se deu conta, rapidamente mudou sua estratégia.

− Infelizmente, lamentou Roger.

O sinal do segundo intervalo tocava para quebrar o gelo e dá a Ruth a desculpa perfeita para que aquele homem saia de sua sala e, se suas preces fossem atendidas, até de sua vida. Levantou-se e educadamente agradeceu a visita, mas reafirmou que tudo aquilo lhe parecia fora de propósito. Roger pegou a sua pasta e lamentando o insucesso daquela reunião dirigiu-se a porta, mas não saiu sem antes dizer a ela que, mesmo achando muito bonita toda aquela idealização da educação, não existe idealismo sem dinheiro. Deixando claro que ele sabia que a escola estava falida. Ela negou. Ele disse adeus e a deixou com sua mentirinha inocente.

Pouco depois, Helô entra na sala e mais alarmada que curiosa pergunta sobre a reunião. As notícias não são tão impactantes, diferente da tristeza no olhar de Ruth. Como ele sabia? Não era de contar de sua vida para ninguém. Muito menos os podres, por assim dizer. Recorreu à memória para ter certeza de que não havia deixado escapar nada para alguém. Mas tudo que concluiu foi que ou se manteve fiel ao seu silêncio, ou sua senilidade não lhe permitiria nunca saber a verdade. Será que ele estava certo? Querendo ou não, muitas escolas estavam se atualizando. Tablets, computadores de alta-performance, salas com lousas digitais, Wi-Fi em todo ambiente escolar. Pensando por esse lado, a Escola Ruth Goulart parecia mais uma creche de interior.

− Não seja exagerada, Ruth. Podemos não ter toda essa parafernália moderna, mas temos/
− O que temos?, Ruth a interrompeu desanimada. Um punhado de contas atrasadas, pais levando seus filhos para escolas bilíngue; às vezes até para essas outras que deixam os alunos usarem smartphones dentro da sala... Como competir com isso?

Se soubesse, Helô responderia no ato. Mas não era o caso. No fundo, ela queria dizer a diretora que o melhor a fazer era mesmo fechar negócio. Roger, por pior que fosse, era um empresário de sucesso. Agora, mais do que nunca, comandando a Onze, estava acostumado com as capas de revistas e com as festas de celebridades nacionais e internacionais. Só de ter seu nome atrelado ao da escola, talvez... Interrompeu sua linha de raciocínio assim que bateu os olhos no semblante triste de sua patroa. Helô sabia o que aquilo significava. Ruth estava pensando na mesma coisa que ela. Não havia outra escolha senão fechar negócio com Roger.

− Precisamos de dinheiro...

Dinheiro... dinheiro... A voz de Ruth ecoou pelos dutos até chegar a antiga casa de máquinas da escola, onde João conversava com Poliana.

− Tu num acha que a gente deveria fazer alguma coisa?
− Que coisa, João?
− Tanto faz, Poli. Só pra não deixar eles levarem a melhor às nossas custas.
− Nem toda ação é positiva só pela intenção ser boa.
− Tu sabe que eu não entendo nada quando começa a falar difícil.
− Só acho que é melhor esperar e pensar bem antes de tomar alguma atitude. Éric e Hugo são os valentões da escola desde o primário. Se batermos de frente, é capaz de piorarmos a situação.
− Que piore. Tu vai ver se eu não boto eles pra correr.
− Você, sim. Mas e os outros alunos que não tem a mesma força ou a mesma coragem que você?
− Égua da esperta... não tinha pensado nisso.
− É por isso que devemos/

A discussão é interrompida pelo estardalhaço da portinhola de ferro da entrada do duto caindo no chão. O susto é breve, pois trata-se de Luigi saindo dos dutos e suando frio.

− Tu é doido de aparecer desse jeito, macho? Quase mata a Poliana do coração.
− Eu vi que você se assustou também, tá João?
− Desculpa, gente, respondeu Luigi, quase sem conseguir respirar. É que eu tava ali dentro e/
− Que que tu tava fazendo lá pra começo de conversa?
− Estudando.
− Ah, eu super entendendo. Também gosto de estudar mais na minha às vezes. Se bem que dentro dos dutos é um pouco demais, indagou Poliana.
− Não, não, explicou Luigi. Eu tava estudando os dutos. É pra um próximo filme. Mas isso não importa agora. Vocês precisam saber o que eu ouvi saindo da sala da diretora.

Luigi explicou tudo aquilo que já sabemos sobre a visita de Roger à escola. Os três também sabiam que independentemente das condições da escola, nenhum negócio é bom negócio quando fechado com Roger. Eles não sabiam o que fazer com aquela informação. Pior do que não saber nada é saber de alguma coisa que não entendemos. Poliana, sempre mais pé no chão, achava melhor convocar uma reunião de pais e mestres. O problema é que não havia nada de errado acontecendo. E por mais que eles desgostassem de Roger, talvez a maioria dos pais vissem as inovações tecnológicas como algo bem-vindo. João sabia dessa possibilidade e queria cortar o mal pela raiz. Disse que deveriam invadir a Onze e sabota-la! Inclusive, se ofereceu para ir a frente no campo de batalha. Infelizmente não se pode combater uma guerra que nem começou. Que, na verdade, nem tinham certeza se viria a existir. Diante daquele fato absurdo que é a possibilidade de Roger praticamente mandar na escola, Luigi não conseguia discernir o que era mais absurdo: a realidade da vida ou a fantasia do cinema. Mas o mais inacreditável, e que nenhum deles sabia, muito menos Ruth e Helô, era que Roger estava um passo a frente. De dentro de sua sala, na Onze, ele assistia na tela de seu computador imagens da diretoria e da casa de máquinas ao vivo. Algo terrível, mas muito simples quando se tem um exército de SARAs invisíveis.

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⏰ Última atualização: Feb 04, 2020 ⏰

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Poliana e a Rosa BrancaOnde histórias criam vida. Descubra agora