My Way

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Dois amigos discutem as primárias das eleições legislativas deste ano numa mesa de bar. Entre uma cerveja e outra, o segurança de banco comenta com o advogado.

— Veja bem, uma coisa que aprendi em minha trajetória com sindicalista é que existe um determinado ponto no qual podemos chegar, normalmente o mesmo nível econômico do auge em que nosso pai atingiu. Você por exemplo, tranquilamente pode se tornar um grande industrial sem grande perigo...

— O que é isso, companheiro? Você sabe que eu sempre fui militante em movimentos de esquerda.

— Não é isso que quero dizer, Engels foi co-fundador da primeira Internacional e nem por isso deixou de ser burguês. Jimmy Hoffa, por exemplo, foi assassinado por um membro de seu próprio sindicato. Porém ele sabia que uma hora ou outra ele seria preso ou alguém da máfia o apagaria.

— Hoffa? Dos Teamsters?

— O próprio. Hoje ele já é uma persona para filmes hollywoodianos para atores da estirpe de Al Pacino. A questão é que o cara que realmente existiu sabia que uma hora ou outra alguma merda ia acontecer com ele.

Absorvo o raciocínio dos mais velhos. É saudável mudar a perspectiva da realidade utilizando o olhar de outrem para se situar. Me levanto de minha mesa e fumo no meio fio observando os reflexos dos faróis dos automóveis nas gotículas de água que caem da garoa fina que se precipita naquele começo de noite de sábado. As caixas de som do estabelecimento começam a emanar um velho sucesso de Frank Sinatra. I've got you under my skin se não me falha a memória. Os arranjos para a banda de jazz são de Quincy Jones, obviamente. O Johnny Fontane da vida real nunca atingiria o estado da arte com sua música sem a ajuda de um gênio negro que, coincidência ou não, também era gangster na juventude.

Uma mulher com o braço esquerdo fechado por tatuagens old school desfila descendo a calçada oposta. Olha para mim enquanto ajeita uma mecha de cabelo. Por um instante me esqueço da política e penso em acenar para ela, como se a conhecesse. Se o ato fosse inconveniente, usaria a desculpa da visão embaçada pela chuva e a miopia e argumentaria que a confundi com alguma conhecida. Penso demais e acabo não fazendo nada.

Volto à mesa e peço uma porção de queijo gorgonzola ao garçom que a limpava com um pano. O celular toca e me traz de volta ao momento presente. Número desconhecido. Não atendo. A chuva leve já acabou e um gato malhado surge do bueiro da calçada farejando o queijo que o garçom me servia sem pressa.

Os dois amigos continuam seu colóquio, falando sobre coisas sem importância. — Agora veja só, este nosso presidente atual é um demente drogado. Aposto que não consegue limpar a bunda sozinho. — O advogado ri e comenta. — Toda a merda que ele faz sai pela boca, haja Prozac pra manter o equilíbrio atualmente...

Realmente a personagem que discursa na tela de TV do bar parece um demente tentando fingir sanidade em uma entrevista de emprego. Lê o discurso com a cadência de uma criança de seis anos recitando Fernando Pessoa. Acabo o queijo, não sem antes deixar um pedacinho ao gato de rua, penduro a conta e desço a pé até o ponto de ônibus torcendo para que a garota tatuada more perto e, porque não? Me acompanhe na viagem de volta para a casa.   

My WayWhere stories live. Discover now