Oi!
Essa original também foi postada no Spirit sob o nome de usuário kvothe_sphinx, também o nome da minha conta principal aqui.
Sinto muito caso não entendam a minha história, mas ela é completamente aberta a interpretações, então não há uma única maneira de ler o que escrevi. Pode ser que vocês percebam minúcias que eu mesma não notei, logo gostaria de ver teorias nos comentários.
Boa leitura!
___________________________________O mundo não é colorido, preto ou cinza, ele é branco.
Hoje, eu aprendi sobre as cores. Descobri que a negritude dos abismos mais profundos dos oceanos representa a ausência total delas e que a essência do corpo dos bonecos de neve é a mistura homogênea de todo o arco-íris se entrelaçando. Talvez, eu tenha sido pega no sarcasmo do universo, porque não faz sentido pintar o céu noturno como pequenos pontos de luz desbotados em uma tela sem luz. Talvez, haja um significado para enxergarmos o que não se pode ver, uma escuridão sem fim.
A poucos centímetros do pincel, minha mão parou no ar conforme meus pensamentos fluíam numa tempestade que permeia a calmaria das emoções sentidas sem atingir a percepção de qualquer outro. Meus olhos, que vagavam pelos desenhos incompreensíveis formados pelos galhos retorcidos da árvore morta do meu jardim, direcionam-se lentamente pela extensão de meus braços. Tão magros quanto gravetos sem força, provavelmente, quebrariam sob o peso de olhares julgadores, despreocupados com a responsabilidade das consequências de suas ações cruéis. Desconfortável, parei a análise mórbida de minhas veias visíveis.
Em minhas mãos, cicatrizes que apenas eu seria capaz de ver. Traçando seus caminhos, percebi que trilhavam todo o meu corpo, uma ilustração viva das maldades do ser humano. Caso eu tirasse minhas roupas, a nudez não chocaria aqueles ao meu redor, mas duvido que algum amigo perguntasse se eu estou bem. Egoístas assumidos e salafrários são mais cuidadosos que muitos vizinhos enxeridos que não percebem minhas alterações de humor, desconexos o bastante para manchar os poucos espaços que sobraram.
Paradoxo. Sinto frio em dias ensolarados e nego jantares quentes, embora eu esteja sempre com fome. O que uma mamadeira representaria para mim agora? Nesse momento, quando minhas palavras não são altas o suficiente para atrair atenção na multidão, a reposta seria branco. Por conta de portas falsamente abertas, os batentes arrastam em minha pele e meus ouvidos sangram até um beijo estalado os fazer zumbir. Esses lábios que tentam sarar minha ferida, na verdade, queimam a casquinha já seca, uma vez que essa preocupação é uma grande e irônica mentira. O que é fingir, afinal? A atuação imperfeita dos que se fazem sensíveis, os insensíveis.
Eremitas do amor, quem diria não conhecerem a história dos derrotados! Se eu fizer algo bom, sou boa índole. Porém, seria pedir demais desejar que os que sofreram por mim não espalhassem que sou má influência. Até criminosos choram de noite, então não é vergonha aquecer uma garotinha com um grande cobertor. É uma pena que meu "obrigada" tenha ficado entalado na garganta naquele dia triste, só espero que isso não tenha impedido meu benfeitor de propagar seu carinho silencioso, isso sim seria um desperdício.
No final de tudo, não gostaria de ser a culpada por esse mundo branco, inteiramente branco. É uma bagunça de emoções: ser ruim ou ser bom, como definir? Não acredito em promessas sem fundamento, apesar de ser uma ótima fantasia ouvir que me amam. Enquanto estou encolhida no canto mais escondido do quarto, posso ver o pincel abandonado no tapete sujo e percebo que não mudei. Minha mãe deixou um prato na pequena cômoda próxima ao dossel da cama. Sem mais palavras de encorajamento, ela esgotou suas tentativas de me ver feliz, embora, no início, ela sempre deixasse uma mensagem bonita por trás de seu sorriso, cujo brilho se desfez com o passar do tempo em que não levantei mais para pegar o pincel. E, então, ela me deixou para trás com os ombros encurvados e seu cheiro característico de bebida forte, adquirido com toda a frustração que proporcionei para essa adulta que outrora fora gentil.
De quem é a culpa? Da mulher sadia que tentou, falhou e desistiu? Ou da garota triste que tentou, falhou e desistiu? Antes de concluir que o mundo é branco, eu diria que é minha, mas, hoje, eu não tenho tanta certeza, porque a inverdade é real e predomina sobre as vítimas. Quem é vítima? Os que dormem esquecidos nas margens da sociedade ou os vencedores? A resposta é meio óbvia, mas a punição é algo que já experimentei: reviver cada momento difícil, cada meio olhar, cada mão estendida que não seguramos e observar a madrugada se estender sem que o tempo espere nossa consciência com toda a sua benevolência e indiscrição.
Quero pintar o teto e dizer que não desisti, contudo não sei qual cor escolher. Poderia ser o azul cristalino do céu infantil, o laranja ardente das descobertas inocentes, o vermelho sem pudor do enrubescimento amadurecido pela puberdade, tantas possibilidades. Essa indecisão é o que me puxa para baixo, mas me lembro daquele cobertor velho e sem cuidados, logo sou invadida por memórias antigas de um tempo em que aquele homem era vivo. Daria tudo para saber o que ele está fazendo agora e, com minha imaginação fértil, monto a imagem de um salvador sendo engolido pelas chamas ao empurrar outra criança frágil para esse universo branco e confuso.
Fraqueza. Quando ando de ônibus, um enjoo me abate e a ânsia de observar os transeuntes do lado de fora é tanta que eu sempre me pergunto do que eles têm medo, pois não é possível que apenas eu me sinta tão sufocada com os olhares devoradores daqueles lobos em trajes civilizados e que tentam me tocar, como se não percebessem que eu, facilmente, esmaeceria com o mais singelo toque. Cercada de armas poderosas e somente com as mãos peladas e sem vontade de me rebelar, posso mesmo me considerar uma revoltada? É exagero dizer que não me sinto confortável com os comentários frios enquanto uma revolução que não participei eclode embaixo de nossos narizes?
Outro dia, briguei com um ursinho de pelúcia e ele me fez abrir os olhos. Está na hora de pintar o que quiser e expressar todos os meus pecados e boas ações. Qual não foi a surpresa de mamãe quando eu desci as escadas tremendo em meus passos e peguei uma maçã podre da fruteira? Com a boca aberta e lágrimas acumuladas, ela me incentivou a abrir a lixeira. Foi o que fiz, sem arrependimentos, não precisamos mais dessa deterioração em nossa residência já distorcida. Agora, nada pode nos impedir.
Juntas, encaramos o espelho e, finalmente, em vez de encararmos apenas o nosso reflexo e os milhares de defeitos que nossa mente cria, sorrimos uma para outra e decidimos seguir em frente. Por isso, cozinhamos e eu consegui, garfo por garfo, ao longo de uma tarde longa e interminável, comer o meu prato inteiro, o primeiro em muito tempo. Eu pensava que os acontecimentos eram irreversíveis e a história não se importava em derrubar algumas pessoas, porém eu nunca tinha contado que esse mundo fosse branco. Logo, de mãos unidas com minha progenitora, senti suas cicatrizes, que não havia notado em toda a nossa trajetória e percebi que eu não estava sozinha, nem mesmo presa naquele incêndio não acidental.
Posso não ser uma pessoa feliz, mas estou feliz com o passo de hoje. Saber sobre as cores não foi ruim no fim das contas e eu, enfim, consigo admirar o teto que não pintei, sem pensar nas inúmeras cores que poderiam adorná-lo, afinal ele já possui cada uma delas, assim como eu, mamãe, o homem gentil, os vizinhos sem nexo, os monstros dentro do ônibus, as pessoas passando pelas calçadas e cada ser humano que respira nesse imenso planeta, repleto de sentimentos confusos, recônditos e belos. Existe uma infinidade de "ninguéns" como eu ao redor de todo o meu pequeno universo, cujas barreiras foram derrubadas após muita insistência, então posso, enfim, nomeá-los de alguém.
Ontem, um herói morreu. Mas, hoje, eu sei sobre as cores e o mundo é um enorme emaranhado branco.
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Obrigada por ler!
Eu criei essa história enquanto ouvia uma música, apesar de eu não ter me baseado em sua letra, mas na sua melodia.
Se quiserem ouvir, foi: Halsey - Devil In Me
Caso se identifiquem com a personagem, não se acanhem em me enviar uma mensagem, adoraria escutar suas próprias histórias.
Espero que tenha sido de seu agrado!
Muitos beijinhos de luz! :3 :3
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Falhas Invisíveis
Short StoryEstou realmente vivendo quando ouço pessoas dizendo que me amam, mas não acredito, pois eu mesma não o faço? Se eu olho no espelho e apenas enxergo falhas, pergunto-me o porquê de ninguém perceber minhas cicatrizes. Será que é porque o mundo é um en...