Eu sou Karina

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     Estar com quase 17 é uma das piores coisas para uma garota que sonha viver eternamente na adolescência.

E eu, definitivamente, odiava ser adolescente.

     Nem é só pelo fato de estar menstruada quando o gatinho mais popular da escola me chamou para ir ao cinema, ou por ter uma espinha gigante na ponta do nariz. Sequer pelo fato de estar com o cabelo limpo, mas com cara de quem quer virar um membro felino. Ou, pior ainda...ter pais chatos que me proíbem de sair com — como diria meu pai — "um moleque que está doido para estrear o pinto pequeno".

     Mas, também, por ter a responsabilidade de pensar no quero ser quando me formar no colegial. E eu não tenho a mínima ideia do que escolher.

     A puberdade, para uma mulher, é muito estressante. Você vê que suas amigas menstruaram mais cedo e fica se perguntando quando vai chegar a sua vez — mesmo que não saiba o terror que está por vir. E quando ela chega, você chora para tentar achar posições confortáveis para que àquela dor desgraçada passe de uma vez, mesmo que já tenha tomado o mais forte dos remédios para cólica.

     Tem também a invejinha de ver que as meninas estão usando sutiãs 42 sem bojo, e você, mesmo com bojo, não chega nem ao 40.

     E, ah...altura. Esse negócio de "poxa, continuei com os meus 1,50 de altura" não interferem em nada, pra falar a verdade. As mulheres não ligam muito pra isso, até que a cambada de mini machistas padronizados por uma sociedade — hipócrita, diga-se de passagem — começam a dizer "baixinha, anã, banquinho".

     Começamos a nos sentirmos pressionadas por não termos 1,60cm aos 16 anos. E isso é só a ponta do iceberg, porque ainda tem a padronização de peso, sorriso, cabelo, estilo, classe e cor.

Eu tenho 1,65cm. Confere.
Eu tenho o cabelo ondulado. Confere.
Eu peso 55kg. Confere.
Eu visto 36/38. Confere.
Eu já usei aparelho. Confere.
Eu sou classe média/alta. Confere.
Eu sou branca. Confere.

     Quer mesmo me dizer que eu não sou privilegiada por ter quase todos os atributos perfeitos da sociedade padronizada? Tem certeza que é "mimimi" achar um absurdo as pessoas não terem as mesmas oportunidades e lutar por igualdade?
Já que não partimos do mesmo ponto, amigo, vamos lutar por equidade!

     No mais, eu sou uma adolescente comum. Mimada, na maioria das vezes, e apaixonada pelo cara mais bonito que já pisou na Otávio Fontana. E o nome dele é Thiago.

     Ele é o capitão do time de basquete e é um ano mais velho que eu.

     Mês passado, ele acabou com a "Amandemônio" e mudou o status do facebook para solteiro.
Diz aí se não é Deus me dando a oportunidade de praticar as aulas de beijo com ele?!

     Aqui em casa, minha mãe já não aguenta mais ouvir falar do Thiago. Ela diz que eu só não posso ser considerada uma viciada pois ele ainda não virou droga.

     E o que eu sempre digo a ela é: "muito melhor eu virar uma viciada por um menino lindo, inteligente e carinhoso do que por um maloqueiro burro e pornográfico.

     E antes que ninguém entenda nada, vou explicar.
Minha vizinha da frente é amiga da minha mãe desde a faculdade. Mais precisamente, moramos no mesmo andar, e com as portas uma na frente da outra.

     A tia Jéssica — que é um amor de pessoa —, tem 2 filhos insuportáveis. O mais novo é o Gustavo, de 10 anos.
Esse sabe como pegar os peixes do aquário do irmão e alimentar meu gato, o que eu acho engraçado, já que o gato é meu mas não mora comigo.

     O outro é o Rodrigo, a porta que acabou de fazer 18 anos e vive para acabar com meus dias de felicidade só por mostrar as fuças.
Esse daí sabe como me infernizar todos os dias, desde que me conheço por gente. Isto é, desde que eu nasci. E antes que falem que eu não lembro de nada, verdade, eu não lembro...mas tem inúmeras fotos dele mordendo a minha cabeça e puxando meus cabelos.

     Eu nem tenho tanta raiva disso, na verdade. Afinal, eu não lembro mesmo...
O negócio foi ele ter cortado meus cabelos quando tínhamos 6 e 8 anos, no dia em que o Gustavo inventou de nascer.

     A tia Jéssica precisava que alguém ficasse com a peste mais velha para ir parir a peste mais nova, e é óbvio que minha mãe — também madrinha dele — ficou.

     O desgraçado sugeriu que cortássemos os cabelos das Barbies que minha mãe insistia em comprar, mesmo sabendo que eu odiava bonecas.
Até aí tudo bem, já que crianças costumam fazer besteira quando os pais não estão prestando atenção.

     Só que o infeliz me pediu para fechar os olhos, dizendo que ia fazer uma surpresa. E eu nem preciso dizer qual foi a surpresa, sequer a minha reação, não é mesmo?

     E não parou por aí. Ao longo dos anos, a cachorrada foi ficando pior, mas nada muito grave...até mês passado.

     No dia 1 de janeiro, ele completou 18 anos, mas duas semanas depois, inventou de fazer uma festa numa boate — escondido da mãe — e é óbvio que foi obrigado a me convidar, porque, até então, tia Jéssica e tio Fernando só liberaram a verba porque a festa ia ser na casa de algum amigo rico dele.

     No fim das contas, aquilo parecia mais um prostíbulo, e eu só tinha ido porque Thiago foi convidado. E não, ele não compareceu.

     Perto das duas da manhã eu quis ir pra casa, mas não conseguia chamar o uber. Como eu não ia encostar nas pessoas que estavam se comendo por ali, fui procurar Rodrigo nos lugares.

     E, meus amigos, eu ri. Ri muito quando abri a porta de um dos banheiro e dei de cara com Gisele — a prima de Rodrigo — sentada na pia, com uma sutiã de oncinha pra fora do vestido verde.

     Mas, como tudo que é bom dura pouco, Rodrigo se assustou com a minha risada, pegou o meu celular que estava apontado para eles, e o jogou na privada, dando descarga na mesma hora.

     Eu até ameacei contar pra mãe dele aquela baixaria toda caso ele não me desse um celular novo, mas ele jogou na minha cara que contaria aos meus pais sobre eu ter mentido no ano passado, dizendo que ia passar o Réveillon com o Ana Clara e os tios, em outra cidade.
E como ele sabe disso? Não tinha viagem nenhuma e cidade nenhuma. Eu e Ana Clara fomos para um Réveillon na praia, que era pra maior de idade.

     Antes de mais nada, passamos o ano economizando cada centavo que nossos pais nos davam, e depois compramos os ingressos. Sem falar que a gente quase se mete em encrenca com a identidade falsa.

     Thiago estava neste mesmo evento e me viu passar sufoco na entrada. Ele me subornou por 30 segundos — assunto para outro capítulo — e me fez entrar com Ana Clara no lugar.
E eu me neguei a lhe dar os parabéns ao virar o ano.

     Agora, cá estou eu sem celular e sem vida. Meus pais não vão me dar um celular novo até meu aniversário, e eu tenho que aceitar o acaso.

Maldito Rodrigo!

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