Se você misturar vodka com energético numa mesma garrafa, o resultado é que você terá uma bomba relógio nas mãos. Caso acidentalmente você beba este líquido mais mortífero que gasolina, há chances altas de que você tenha um ataque cardíaco.
Eu, particularmente, não ligo. Meu único desejo é ir dessa pra melhor.
Meu sabor favorito para fazer essa mistura é o energético de uva. Acho o roxo dele bonito.
Na verdade, beber energético puro foi a pior decisão que eu já fiz na minha vida. - Pode até ter uma cor bonitinha, mas tem gosto de xarope infantil diluído. Por isso eu adiciono a vodka, para dar o ar da graça.
Agora de madrugada é um verdadeiro inferno. Posso até estar chapado, mas em qualquer estado de consciência você sabe que é bem ruim ouvir um dos seus vizinhos do apartamento de baixo espancando a esposa e os vizinhos do prédio ao lado transando o dia inteiro, toda hora, ainda mais quando o quarto deles fica de frente pra sua sala de estar.
Hora um: latidos
Nesse horário, aqui, pelo menos, os cachorros tem uma hora específica para se comunicarem, e é justamente uma hora da manhã.
Os latidos não me incomodam, principalmente nessas horas. Próximo disso ou nessa hora, vou estar chegando do trabalho e indo fazer um ovo frito depois de passar o dia inteiro sem comer.
Estarei exausto e provavelmente não darei a mínima pro diálogo desinteressante dos animais do bairro. Só estaria disposto à ouvi-la caso eu soubesse que eles me odeiam e planejam roubar o meu fígado, mas só podem conversar nessa hora.
Hora dois: choro e contussões.
Meu vizinho de baixo tira justamente essa hora para bater na esposa. E está batendo nela agora, pra falar a verdade.
A moça não tem paz e não consegue se defender, porque o marido dela é igual à uma árvore de tão grande que é, e não é possível que só eu que ouço ela chorando. Talvez as pessoas estejam dormindo ou fazendo não sei mais o que da vida delas...
Já tentei ligar para a polícia e denunciar o cara, mas uma hora dessas eu estaria bebendo a minha bomba relógio e assistindo algum programa esquisito que esteja passando na televisão.
Sou a definição de: "estou bêbado demais para fazer algo, mas sóbrio o suficiente pra entender o que tá acontecendo".
Me orgulho disso? Mas nem fodendo, e o pior é que eu sempre esqueço de ligar para a polícia de manhã.
Imagino a reação do moço do caixa todo mês quando eu vou ao mercado, na fila do caixa, com o meu estoque de macarrão instantâneo, três garrafas de vodka, uns litrinhos de energético e duas caixas de ovo.
Hora três: sexo gay e rock'n'roll.
A pior parte não é nem os meus vizinhos do prédio ao lado transarem a cada segundo, e sim que especificamente nesse horário eles precisam tocar AC/DC enquanto fodem.
São dois homens, como descobri isso? Andando pela minha sala de estar. Um deles geme muito alto, só pra lembrar.
Qual é a potência da caixa de som deles ou aonde eles colocam pra pegar certinho no meu apartamento eu não faço a menor ideia, mas que a minha casa sempre fica parecendo uma roda punk no meio de um show de rock, fica.
O som só pega no meu apartamento ou pega no dos outros também? Ah... Se pegasse o síndico já ia batendo panela. Eu que devo ser o esquizofrênico.
Hora quatro: drogas e pai sem saco.
Vou estar sentado na poltrona do meu quarto, de frente para a janela que dá para a rua principal, de luzes apagadas.
Puxo a manga da minha camisa social e vejo as cicatrizes na parte interna do meu cotovelo. A primeira dessas muitas apareceu quando eu tinha 17 anos.
Me droguei sozinho da primeira vez. Ninguém me influenciou, ninguém me ajudou em nada.
Não tenho mais medo de agulhas desde então. Não tenho medo de mais nada, pra falar a verdade.
Vejo a realidade sumir todo dia, ela escorre pelos meus dedos. E eu espero que ela não volte nunca mais, não sentirei falta dela.
Passo o dedo pelas cicatrizes e lembro que foi por isso que meu pai me deu um soco e disse que eu era um merda. Tenho vontade de pegar uma das minhas agulhas e enfiá-las no pulmão dele. Escroto, mas não o dele, ele teve câncer de testículo e teve que tirar o seu tão amado saco. Em compensação, eu ainda tenho as minhas bolas no lugar.
Ele que é o merda. Um merda sem saco, ainda por cima, literalmente.
Pego um balde e coloco entre as pernas enquanto pego uma agulha já pronta de cima do meu criado mudo. Sempre esquento a heroína um pouco antes de usar, não gosto dela quente.
Injeto onde as cicatrizes se sobrepõem e logo me sinto enjoado, vomito no balde e a sensação de prazer e felicidade chega até mim como o rock que os meus vizinhos gays tocam às três horas.
A sensação é sempre boa, mas o resultado é que eu me sinto terrível depois que o efeito acaba, e muito magro, mas sempre levam umas 4 horas pra ele acabar.
Hora cinco: faculdade e banhos.
Na sala, os meus vizinhos já vão ter parado de foder e terão desligado a caixa de som.
Vou pro banheiro e tiro minhas roupas, lá eu olho melhor as cicatrizes e percebo como o meu braço é preenchido por elas, tanto que ele parece um desenho pintado apenas por linhas vermelhas inacabadas e tortas.
Meu corpo dói e sinto a sensação do vazio no meu estômago, mas estou feliz, fico feliz quando uso a heroína.
Acaricio as linhas vermelhas no meu braço, sinto saudades da minha mãe. Mas não posso lembrar dela, não tenho do que lembrar.
Abro o chuveiro e sinto a água gelada escorrer pelo meu corpo, é, não tenho dinheiro para pagar mais caro ainda pela água quente. Meu braço arde e sinto que ele vai cair, mas as únicas coisas que caem são lágrimas que se misturam à água do chuveiro.
Logo mais acabo o meu banho com o meu rosto vermelho de tanto chorar, o corpo limpo e as mãos frias. Ultimamente me aproximo mais de um cadáver do que uma pessoa viva e sã. Talvez eu não esteja mais vivo, mas meu espírito não queira sair desse corpo surrado pelo tempo.
No meu quarto as roupas já estão postas na minha cama, jogadas de qualquer maneira.
Me visto e percebo o conjunto que uso. Uma blusa social azul marinho, calça jeans preta e vans. Sempre acho que ninguém vai olhar para os meus pés enquanto estou sentado atrás de uma mesa, arrumando o site de uma rádio.
A pior parte do dia é sempre sair do meu apartamento.
Destranco a minha porta, saio de casa, tranco a porta de novo. Ando para o elevador e por sorte pego ele sozinho, ando mais na rua, entro na estação de metrô, peço duas passagens, passo na catraca e entro no metrô, desço no meu ponto e saio da estação, ando até o prédio da minha rádio, depois disso, seja o que Deus quiser. E nesse percurso todo, eu espero que tudo dê errado e eu morra.
Afinal, somos todos animais feitos para foder e continuar a ploriferação dessa doença, a nossa existência amarga e insignificante onde todos somos mesquinhos pra' caralho.
VOCÊ ESTÁ LENDO
relato do cotidiano merda d'um drogado, por byun baekhyun.
FanfictionTalvez eu seja um morcego que odeia a própria vida? Claro, mas a minha angústia só acaba quando eu injeto aquela merda que me faz sorrir. [ᵇᵃᵉᵏʰʸᵘⁿ ᵃⁿᵍˢᵗ!ᵃᵘ] 2020