Onde

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São Paulo.
Eu nasci e fui criado na selva de pedra. Conheço cada linha de ônibus, cada ponto turístico e cada piadinha interna que você possa imaginar. Essa cidade é como uma fase de um jogo que eu já passei milhões de vezes.
Aos 10, eu morava na zona norte e me lembro de brincar quase todos os domingos no Parque da Juventude com meus primos. Mamãe e tia Susi nos levavam e incentivavam a gente a não ter uma vida sedentária na época — admiro o esforço das duas, embora hoje tenhamos colunas zoadas apesar do pouco tempo de uso. É o mal dessa geração de porcarias e internet. Eu juro que eu ia bem até inventarem o MSN!
Enfim, a gente mora agora em um bairro classe média da zona leste, desde que vovó morreu e deixou a casa dela pra minha mãe, que jura que vai reformar ela inteira — A verdade é que seu salário de professora já não é o suficiente nem pra sustentar nós dois.
Eu preciso de um emprego.
Eu já trabalhei. Na verdade, eu já tive a ponto de descolar na minha carreira de desenhista várias vezes. Só que aí eu sempre me sabotava e abandonava o projeto. Um idiota mesmo. Só que dessa vez está cada vez mais difícil uma segunda chance.
O que eu mais sinto falta é de chegar na paulista segunda de manhã com minha mochila pesada, cheia de lápis e folhas, entrar em um daqueles enormes prédios e trabalhar. Trabalhar pra valer! Gibis, jogos, animações... Eu topava e fazia de tudo. Conheci muitas pessoas incríveis por lá, pessoas que hoje estão famosas e vivendo dessa arte. E eu fiquei pra trás porque me sinto uma fraude.
Todo artista tem que ter a sua verdade e ser autêntico. O problema é que eu não reconheço nada disso em mim.

Pragas da CidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora