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Mudei a estação várias vezes, as músicas me lembrando de algo que eu teimava em esquecer. Ao meu lado, Thomas dirigia, um largo sorriso em seu rosto. Estávamos na van do jornal, rumando para nossa tão aguardada entrevista. Não pude deixar de conter os nervos, meu coração em quinta marcha. No banco de trás, Allan e Andre, nossos câmeras, se cutucando e soltando risadinhas. Em alguns meses, eles se casariam, e nos pediram para comparecer. Eu podia ver o amor nos olhos de Andre, nos gestos de Allan, na forma como ambos pareciam estar em sua própria bolha onde quer que fossem, e eu teria um enorme prazer em fazer parte daquele momento especial para eles. "Eu até deixo você escolher a cor do seu vestido, darling", dissera Allan, enquanto Andre brincava com meus cabelos, os ajeitando em vários penteados diferentes. O casamento estava marcado para o dia em que comemorariam dois anos desde que se conheceram, e nada mais justo do que celebrar com a união dos dois e a confirmação de seu amor.

Contry road, take me home..., click!, apertei um botão e mudei a estação. Uma música romântica começou a tocar, e antes que eu esticasse meus dedos para mudar novamente, as mãos de Allan se meteram em meu campo de visão, me dando um tapinha maroto. Olhei de soslaio para nossos colegas no banco de trás, sorridente, e voltei minha atenção para a estrada que saía da cidade. Era um dia tranquilo de sol, as nuvens se arrastando preguiçosamente pelo céu. Um ou outro carro passavam ocasionalmente, e se não fosse pelo rádio do carro tocando ou o som dos pneus no asfalto, eu poderia jurar que nada se movia. Parecia uma cena tirada diretamente de um sonho: árvores enormes ladeavam ambos os lados da estrada, o sol brincava de se esconder por entre suas folhas e voltava a brilhar mais à frente, o cheiro de terra molhada e do campo fazendo meus dedos se enroscarem. Era um cheiro semelhante a um que eu sentira há muito tempo, quando mãos calorosas envolveram as minhas e me puxaram para mais perto, antes de eu me afastar e estragar tudo com apenas um pedido. Eu não estou... forte ainda para que você me mereça.

Thomas dizia algo, mas eu já tinha me desligado há algum tempo. A atmosfera a nossa volta era quase... mágica. Eu podia jurar que a qualquer momento eu veria fadas fazendo uma roda e dançando de mãos dadas, ou quem sabe unicórnios galopando ao longo da estrada. "... por você, não é?", indagava Thomas, balançando a mão livre diante dos meus olhos. Pisquei, atônita, e lhe dei um sorrisinho. Sobre o que ele estava falando mesmo? "Você ouviu o que eu disse, Jules?", ele perguntou, ansioso, mordendo o cantinho interno da bochecha. Dei de ombros, fingindo entender tudo, e balançando a cabeça para que ele não me perguntasse mais nada. Mas não foi isso que ele fez. "Jules, acho que nosso entrevistado deve ser louco por você, não é?", ele insistiu, apertando os dedos contra o volante. O quê? "Por que diz isso?", tentei desconversar, "eu nem conheço o cara direito, só o pouco que falaram depois do caso do pai dele, e só", continuei, o nervosismo exsudando em cada palavra, "Não sei porquê todos insistem em dizer isso. Ele só aceitou fazer uma entrevista, e só. Não é nada demais.", disse, cruzando os braços e apertando minhas mãos contra as costelas para que parassem de tremer. "Sim, o homem mais complicado de todos, que nunca concedeu uma entrevista a ninguém. Com certeza, é apenas uma entrevista", disse Thomas, balançando a cabeça. Ele com certeza estava se roendo todo porque queria estar no meu lugar. Por que Theo tinha decidido conceder aquela entrevista? A mim, ainda por cima? Por que tornar as coisas mais complicadas ainda? "Olha, Thomas,", comecei, ajeitando meu cabelo atrás das orelhas, qualquer coisa para não demonstrar meu nervosismo, "Eu não sei o que aconteceu para ser escolhida. Eu não pedi a ninguém que me escolhesse mas aconteceu de terem me escolhido, e agora precisamos focar apenas nessa entrevista. Depois, você pode ter todo o brilho que quiser. Eu não ligo", disse causticamente, "Pode ter seus quinze minutos de fama, se quiser, ou sei lá o que você quer. Mas aceite que eu fui a escolhida, e não tive voz nenhuma nessa decisão. Não fiquei sabendo de nada até que Dimas anunciou o que tinha acontecido. Se quer tanto essa entrevista, pode ficar com ela, sinceramente. Mas não deixe que isso suba à sua cabeça, e nem passe na frente de um espelho para não ver o rastro de inimigos que vai deixar por onde passar.", concluí, grata porque o carro finalmente tinha parado de se mover e eu pude descer, pegando minha bolsa e batendo a porta com toda força. E eu não olhei para trás uma única vez, pisando duro no cascalho, que estalava como castanholas sob meus pés. 

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⏰ Last updated: Feb 09, 2020 ⏰

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