Encontro Estimável

Da gravidade

Tudo!
Absolutamente tudo estava dando errado. Quer na carreira, na religiosidade, na família, no casamento, no financeiro. Não era pessimismo, era fato.

As coisas em meses, semanas e dias começaram a desandar tão drasticamente que até mesmo os pensamentos mais sombrios e suicidas abrigados no canto mais obscuro do meu ser começavam a emergir. Se a vida era para ser assim, não valia a pena viver. Mas fato é que todo e qualquer suicida legítimo, não quer de fato morrer. Ele quer na verdade que alguém o resgate, e o puxe da cova já cavada na qual ele se encontra. Porém em 99% dos casos, ninguém entende ao certo seu desespero a tempo, e cabe a ele mesmo, se ajudar, quando possível, ou se fatigar ainda mais e por fim se entregar.

Eu optei pela primeira opção, agarrada ao simples fato de que se eu partisse não estaria destruindo única e exclusivamente minha própria vida. Seria a atitude mais egoísta do mundo seguir com isso, uma vez que meus pais e irmãos por exemplo, é que teriam que lidar com suas vidas, destroçados com aquilo.

Mas não ter ceifado minha própria vida, não significava também que ainda estivesse viva. Ao menos, eu não me sentia assim. Eu apenas existia, mas estava completamente morta por dentro.

E acreditem, eu sorria! Quem convive com dilemas assim sabe muito bem. Sorrir passa a ser algo tão simples, que você chega até mesmo a crer que é feliz por alguns minutos e horas enquanto está perto dos amigos. O problema é voltar para casa, e no silêncio ensurdecedor dos próprios pensamentos, dar-se conta da verdade. Por mais sorrisos e gargalhadas que tenha dado numa única tarde, nenhum deles eliminou ou preencheu o buraco em seu interior, o amargo no fundo da boca, ou dissolveu a pedra congelada que há no lugar do seu coração.

Quando acordava, muitas vezes evitava ir escovar os dentes, só para não encarar o espelho. Aquela versão pálida, magra, de olhos sem brilho, cabelos esvoaçados e sobrancelhas por fazer, eu não conhecia. Tantas e tantas vezes, quando me deparava acidentalmente com tal reflexo, eu chorava, era impulsivo.

E ao mesmo tempo, quando surgiam oportunidade que exigiam um pouco mais de formalidade e boa aparência, eu me produzia o mínimo possível, bem distante da maneira como um dia fora meu costume. Quem realmente me conhecia, saberia prontamente só por isso, que havia algo de errado mesmo entre aos sorrisos e "estou bem", algo de muito sombrio e grave estava bem ali escondido.

Alguns vieram tentar ajudar, sim vieram. Não culpo a ninguém se não a mim mesma por ter afastado a quase tudo e todos, quer houvessem tantos com boa intenção. O problema principal, é que o ápice de toda essa dor havia implodido devido um episódio de "confiança quebrada", e daí vinha minha resistência em acreditar que alguém estivesse realmente ali para me ajudar. Uma voz dentro de mim dizia que muitos eram apenas curiosos, outros comemoravam minha queda e a queda de tudo que eu havia construído. De fato alguns se mostraram com o tempo, ser exatamente assim, mas nunca podemos generalizar, entre pedras e pedras sem valor, uma pequenina pode ser preciosa, mas encontrá-las envolve garimpar horas a fio.

Mas houve sim, alguém por perto e responsável por jogar a primeira corda que me salvaria. Ele ficou ao meu lado diante de tudo isso. Embora as coisas entre nós não estivessem perfeitas, foi meu marido quemesteve literalmete travessando o vale das sombras ao meu lado. Ambos em sofrimento, medo, inseguranças, desespero, entre outro sentimentos negativos, e ainda assim tentando usar a ínfima centelha de luz para iluminar o caminho do outro.

Se você tem essa pessoa perto de si, agradeça e muito. Mesmo que ela nao seja perfeita, pois de fato não é, agradeça por quem abre mão dos próprios ferimentos por um tempo, tentando estancar os seus.

Ele me observava decair dia após dia, e questionava: "por que você não vai se maquiar hoje?", "por que você está ignorando suas amigas?", "por que você nunca mais comprou esmaltes novos e fez suas unhas?", "seu cabelo está tão lindo naquela corte, você não vai manter?"... E nesses questionamentos, num dado momento percebi que as respostas não difeririam em nada para ele, ele realmente esperava que eu respondesse a todas elas única e exclusivamente para mim.

Então "por que?".

Tem você uma resposta para se dar?

Sabe ao certo por quê vai deixar a vida quer boa, quer ruim, passar dia a dia e não se presentear com as coisas que fazem bem para si? Pois caso alguém nunca tenha lhe dito: você merece! Você realmente merece estar bem e sorrir de dentro pra fora, não apenas como uma máscara, você merece olhar para si mesma em frente ao espelho e se admirar, mesmo entre olheiras, rugas, manchas, imperfeições, sentir que elas contam sua história e compõem o seu ser, sentir que quer dar um brilho no rosto, para realçar seus traços mais belos, e não disfarcá-los. Ficar cheirosa e hidratada para si mesma, bem vestida e poderosa porque se sente assim, e andar sobre sapatilhas ou salto alto, o que preferir, mas sempre de cabeça erguida, porque se ama e esse amor por si mesma é tão forte ao ponto de exalar por seus poros sem que nada ou ninguém possa impedir.

Eu queria fazer tudo aquilo por mim. Eu queria mesmo! Só que a voz maligna dentro de mim persistia em dizer que eu não merecia.

Reconhecer essa voz foi o primeiro passo.